abril 21, 2009

SORVETE COM VINHO TINTO – 21.01.09



Mais um daqueles dias reservados por um nome ou um hieróglifo, ou qualquer significado em sânscrito ou aramaico; o que importa é que a visita de Pedro sempre acrescenta o fator sorte nos dias de Alice e nos dele também.

São raros tais fatores, mas hoje Alice se dedicara a preparar o almoço desde cedo porque Pedro apareceu solene. E por tão singular solenidade, a toalha da mesa revestiu-se de festa, as luzes da casa brilharam com intensidade especial e até um poema do Wilde colocou-se debaixo da manga de Alice para ser lançado, caso aconteça uma oportunidade.

Não se trata de mais um jantar para incentivar Alice a fazer as pazes com as panelas, o fogão e seu estomago sempre mais e mais exigente quanto a aromas, cheiros e temperos. Tratar-se-ia antes, de um jantar regado a literatura, troca de confidências, e lamentações sobre como anda a vida deles dois: de Alice e de Pedro.

Ele, um jovem moço em busca de sua afirmação, antes, muito mais escorregadia do que hoje em dia com emprego, salário, carro, moto e sabe-se lá, como pressentira Alice, a tendência do moço de ser solícito além do desejado, gerando desconfortos que expusera no olhar e não na fala, mas que fora captado por ela, que já detém certa manha para pressentir desconfortos no amigo.
Ela, com mais alguns planos de difícil execução, demonstrando para Pedro que a vida é mais divertida para os poucos que atiram as cartas todas de uma vez, sem temer naufragar - mais uma vez como na canção de Calcanhoto...

Pazes feitas com fogão, feirinha de hortifruti na pracinha logo cedo e panelas um pouco mais tarde, define Alice o prato do dia, bem próprio para quem tem que comer, porque tem que comer, porque tem que comer.

Assim, depois de cozinhar ao sabor etílico de um vinho chileno, só identificado como tal ao ser aberto, expondo sua nacionalidade na rolha, a moça se prepara então para um gole de um cítrico forte, como é tradição desta marca.

Depois do primeiro gole o gosto começa a acomodar-se e acidez é diluída em meio aos textos do Wilde e as panelas de Alice. Mesa posta, espera sem fim. A fome já foi até o gramado, distraiu-se com os passarinhos, voltou e revoltou o estômago indomado que quer comida, quer comida, quer comida.

Alice sentou-se sem cerimônia e comeu. Comeu mais um pouco e sentiu-se medicada como normalmente tem-se sentido ultimamente neste quesito. Por conseguinte, suas forças antes diluídas ao sabor dos pequenos goles homeopáticos de vinho, agora assumiram seu lugar de destaque.

Então, como sempre o sorvete e o chocolate contêm açúcar além do que aprecia, experimenta sorvete de flocos com vinho tinto. E a mistura foi aprovada, já que ambos se equilibram em excessos: o açúcar e a acidez. Assim como Pedro e Alice. Fica perfeito... Deveria ser experimentado por algum gourmet de qualquer lugar. Talvez será, ou quem sabe já tenha sido!

E chega Pedro atrasado para o almoço em que Alice expõe a sua necessidade de comer, de comer, de comer comida em doses homeopáticas. Justificados ambos se fizeram, por serem assíncronos e ao mesmo tempo afins na necessidade de se falarem e se verem para que seus caminhos se abram para além da vontade deles dois de se falarem sobre tudo o que há para se falar, falar, falar...

Ao final, despedida sem data marcada de reencontro, ficando no ar, ainda que não falada, a promessa de ambos se encontrarem em outra oportunidade, desta feita com os propósitos hoje expostos subtraindo dos seus corações a menor sombra de dúvida que estes estarão concretizados. Ressalte-se a combinação de afinidades dois a dois, resultando em 457 afinidades e mais uma: de sorvete com vinho tinto; enquanto degusta silenciosa e novamente só, sua mais recente combinação, Alice prepara-se para identificar o que está errado com amigo, antes moleque, agora tenso – teria amadurecido tanto assim? Não, algo está diferente entre eles...

abril 19, 2009

QUANDO ELA VOLTOU A SER LEÃO– 12.04.09

Até ontem ela tinha cara de Maria, jeito de Maria e postura também de Maria. Não que Maria não merecesse estar em caras e bocas. Olhando detidamente na vida de certa Maria, ela se fez conhecida e respeitada de um canto a outro do firmamento.


Mas é que hoje seria o dia de Alice. Ela soltou a cabeleira e tal qual o leão exibindo a sua juba em sinal de domínio, assim fizera também. Chegou o final dos seus dias de expiação; algo que mereça ser comemorado.


Olhou para a direita, depois para a esquerda e nem precisou olhar para frente e para trás para saber que sua hora de viver chegara. Cortou os cabelos assumindo-os desarrumados do jeito que sempre gostara, saindo em seguida dona de sua vida.


Não fosse pela juba exposta, talvez se definisse uma leoa depois do parto defendendo sua cria. Mas ela se assemelha muito mais a um macho, tanto na juba quanto na postura de buscar o seu espaço.


Pronto, agora não existe outra opção para Alice que não seja assumir-se. Não é nada com o mundo, com as coisas, com as pessoas; é com ela própria. Isto posto, parte então abruptamente em busca de tudo que lhe falta.


Faltou na semana passada a oportunidade de assistir a um ritual na fazenda, do jeito que sempre quis ver e não foi. Também não foi mais fazer ginástica, tampouco caminhar ao som do Ray. Não foi!


Em outros tempos, Alice prenderia os cabelos e se resignaria em meio aos livros de inglês. Não desta vez! Ela vai buscar o que está faltando e na sua lista mental imensamente inerente as suas vontades, muitas buscas se perderam.


Uma a uma ela promete resgatar. Todas de uma só vez, se for esta a sua única alternativa. Para começar tomou posse do seu novo monitor que ficava ali parado tal qual a montanha da música, que insiste em ficar ali parada. Pois, seu monitor ultra-rápido; sem defeito e até então sem utilização, passa agora a ser ocupado como numa ação de usucapião: de forma mansa, pacífica e ininterrupta e com ânimo de dona.


Ordenou a sua vida que ela se abrisse como dissesse “Abre-te Césamo!” E tudo se clareou, com a liberdade um dia perdida em alguma esquina, talvez num processo inverso ao de Sansão que perdera suas forças ao perder os cabelos; Alice perfaz o caminho inverso: ganha força quando corta os cabelos dando-lhes liberdade para serem como são quase todas as coisas na vida – difíceis, incontestes.


Assim, munida de uma força que até poucos minutos atrás pensava não possuir mais, ela se prepara para alterações cruciais, quase como as fases de idade por que passamos todos os seres viventes.


Então, em primeiro cortou os cabelos e sentiu suas forças revitalizadas em novos propósitos. Em segundo, ordenou que a vida se abrisse. Depois abriu seu computador que até antes queria vender dado à inutilidade. Voltou-se para seu som como fonte de inspiração que sempre fora e que estivera abandonado. Revistos todos os efeitos que abandonos provocam, assumiu que tem como peculiaridade uma estranha sensação de ser similar ao leão e necessitar de uma juba que lhe fortaleça. Tomou seu remédio, fortificou-se e agora se sente curada das rasteiras que tem levado e que agora não perturbam mais...

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abril 11, 2009

PASSADO O FURACÃO – 11.04.09



Passado o furacão, que não fora o Cathrina, mas fora um tipicamente brasileiro, embora tivesse desenvolvido características européias, ainda assim, foram revistos certos incômodos que somente um furacão, dentro da sua grandeza, é capaz de provocar.

Pânicos revistos, alguns relembrados, outros nem tão suportados, mas enfim, são formas de tentar-se entender as mudanças por que passam as pessoas dentro das suas evoluções. Então, quando se vai o furacão, olhando para a casa novamente em paz, vazia, incensada e tomada novamente da harmonia que lhe é peculiar, fica até perceptível no ar certa saudade do desconforto, da cobrança denotando ciúme, das situações que por opção não são mais necessárias, recomendadas, devidas.

Pensando sobre como as pessoas ainda necessitam cobrar, fiscalizar e criticar, fica claro todo o valor que envolve a liberdade de não ter mais que responder às críticas aplicadas num ritmo de quem ainda pensa conseguir dominar o mundo e as pessoas dentro dele. Nada disso tem mais sentido. Por conseguinte, qualquer cobrança será fora de contexto. Não será lida ou aplicada nem tampouco revista.

Os tempos são outros. O que antes machucava, constrangia, hoje já não atua mais em nenhuma zona do sistema nervoso central. Portanto, é perda de tempo tentar atingir aqueles que já se imunizaram de todo o mal, de todo rancor.

Uma das vantagens de envelhecer é exatamente não permitir que ninguém toque mais certas regiões as quais aprendemos a proteger, imunizar; é como se agora tivessem calefação e satisfação próprias. Independem de quem quer que seja.

Então, ao chegar mais um furacão perpetrando casa adentro, as portas e janelas são abertas, o coração é imediatamente imunizado com uma dose de insensibilidade e toda a casa se faz pronta para a devassa, ficando, entretanto, preservados o coração e a cabeça, que não mais se aventuram em viagens que não possa efetivamente bancar.

De resto, a prontidão para a próxima investida do furacão começa a ser preparada quando da retirada desta última visita. É um trabalho constante, interminável, porém, com a agravante de se constituir também em mais uma forma de crescimento, já que em certa fase da vida das pessoas, elas apensas conseguem crescer em detrimento do aniquilamento do seu próximo. É a chamada “idade da razão”, que incide de forma diretamente proporcional à “idade da produção”, quando as pessoas munidas da sua melhor vitalidade, pensam governar o mundo e as pessoas, desconsiderando a força mental destas.

Enfim, fases de vida com valores díspares e que nunca irão falar a mesma língua, posto serem diferentes em todos os seus valores. É muito mais uma questão de amadurecimento do que propriamente de desrespeito. Ninguém pode valorizar aquilo que ainda não experienciou. Aos que já experienciaram cabe a tarefa de acolher o furacão, tentar minimizar os seus efeitos, preparando-o para voltar à origem, dando uma sonora gargalhada quando tudo estiver de volta ao lugar devido.

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abril 02, 2009

MINHA VONTADE DE LIMPEZA – 02/04/09



Hoje acordei com a energia suficiente para mover a lua, arrancar os anéis de saturno, ir e voltar ao polo norte e ainda trazer um pouco do gelo de lá antes que se derreta. Mas, por falta de concessão que viabilizasse tais anseios, fui até ali numa estradinha quase deserta e aliviei este estado aos 120 km/h fazendo queimar senão toda, apenas um pouco desta adrenalina. Então passou.

E mais, também perdi a vontade de cutucar a lua, sentando-me em seguida, tomando junto com água, um bom tranqüilizante natural. E foi-se embora toda a pressa carregada por longos anos a fio nos ombros senão calejados, ao menos bastante fortificados por suportar peso e correria.

Como restasse um pouco de adrenalina, e o dia chuvoso inspirasse casa, cama e sossego, é chegada a vez dos monitores, suas performances e, por conseguinte, muita limpeza no drive e por aí afora.

Retira-se o que não é preciso, acrescenta-se o que deve servir num futuro que pode até ser distante; é como organizar gaveta de documentos. Alguns não servem mais e outros, continuam ali, exatamente no mesmo lugar, igual a montanha que insiste em ficar ali parada (na canção de Calcanhoto).

Não sendo eu montanha, mas cultivando discretamente uma admiração por estas, acabei de desistir de uma espera por dias melhores longe daqui e saí em busca de dias melhores por aqui mesmo.

Queria ganhar um Santo Antônio. Não tendo ganhado, comprei-o. Ele fica ali, parado no aparador (igual à montanha que insiste em ficar ali parada, da canção que já citei). Pois ele fica ali com seu livro e uma criança em cima do livro. Duas coisas sem as quais eu não vivo muito tempo longe.

Já tentei um diálogo com ele, refiz meus atuais caminhos da espiritualidade onde ainda insisto que sou meu próprio mestre. Existem limitações que tento suplantar, e existem outros dias onde nada é preciso ser deixado para trás e vou seguindo nesta crença. Tenho para mim que aquilo que não me mata, fortalece-me.

É caminho dos mais difíceis, menos convencional, opcional, pouco difundido, com inúmeros itens que poderia continuar enumerando, enumerando e enumerando; é por isto que eu sigo; pela dificuldade que apresentam. Gosto de estar atrás de alguma coisa e de preferência, sem nada atrás de mim.

Enfim, voltando a minha faxina eletrônica, penso que vou precisar de um saco de lixo que acondicione bem este material tóxico de palavras que vão se amontoando em torno do meu raio de visão e que depois, simplesmente descarto. Onde essas palavras vão parar?

Espero que elas tenham uma destinação nobre, já que me foram de muita valia, tanta que responde atualmente por qualquer outra necessidade que eu tivesse de entender o mundo e as pessoas dentro dele.

Então, memoráveis letras que se arregimentam em ideias passadas, um dia ocupando espaço ora reduzido a um CD, por tão singular amizade, elejo-as agora respeitosamente, minhas amigas secretas, de total e absoluta confiança, como não se vê, ainda mais no universo feminino, ora perdendo espaço para o masculino, cuja melhor característica sempre fora a discrição e a ausência de comparação, hoje abandonadas por estes e aquelas.

E porque ontem mostramos certo respeito pelo nosso planeta, ficando quem quis e pôde, sem as benesses da energia elétrica por uma hora, eu pessoalmente que não me somei a este gesto simbólico por esquecimento, demonstro agora o meu respeito por aquilo que me mantém viva, qual seja, a utilização das palavras formando ideias, viagens, fugas, resoluções, reinvenções.
É chegado o descanso dessa leva de composições com as quais convivi pacificamente, apostando na nossa mútua fidelidade até quando puderem meus neurônios com elas montar o interessante jogo da expressão literária, essa mesma utilizada por Godard na sétima arte. Podemos nos servir dela, eu e você, gratuitamente, sem moderação nem efeito colateral, sem ou com maledicência, livre para nos ridicularizarmos, livre, livre, livremente como em nenhuma outra fonte se sentirá.

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