abril 02, 2011

RECONHECIDOS – 02.04.11

Ela e ele são assim: dois distintos que se conheceram profissionalmente ontem mesmo. Até então nunca haviam se visto. Entretanto, certas peculiaridades dele, somadas a algumas características dela, levaram-na a reconhecer-se nele.


Em primeiro, são dois mal-nascidos, desses em que a genética não classificou com beleza numa proporção satisfatória. Assim, ela percebe nele as mesmas dificuldades de posicionamento social pelas quais passa e que trabalha diuturnamente para superar, qual seja, o ar de insignificância que gostam de manter não entendendo o descaso decorrente disto.


Depois, detectou que além da pouca beleza, da insegurança peculiar que isto desencadeia, teria ele, tanto quanto ela, um histórico de estudos pouco estimulado por familiares ao longo da vida. É conquista pessoal deles dois. Talvez suas chances únicas na vida. Todos os cursos que hoje lhes garantem a sobrevivência são oriundos das suas especiais vontades não alimentadas por ninguém além deles próprios.


Estudaram não por influência de algum, mas porque vislumbraram-se desde cedo ante o espelho que esta seria suas sinas. Ela, astuta em observar, considera-se apta neste exato momento a manter com ele um relacionamento que possa aproximar dois símeis neste mundo real.


Ele, mais reservado, precavido, modesto, tímido, provavelmente não se arriscará. Mas ambos se reconhecem como um fosse espelho do outro. Suas linguagens moldadas, diferenciadas do resto dos familiares, não por presunção, mas por conseqüência óbvia àqueles que se detêm sem preconceito a toda sorte de leitura.


Assim, ela vê nele os mesmos defeitos que carrega por não ter igualmente saído de família senão rica, ao menos envolvida com a importância do conhecimento; nem mesmo isto ambos podem incluir nos seus currículos “translates” ou outro de qualquer espécie.


São singelos de um modo facilmente criticado pelos colegas, chegando a perturbar por conseguirem gostar de estudar, e ler, e priorizar a vida em torno disto. Não entendem nem aceitam que a aparência pessoal deva mover estratégias. Para eles dois bastaria saber com profundidade no que se propõem. Amam a simplicidade, mas tiveram que valer-se dos artifícios que a profissão exige.


Ela vê isto nele nos dias em que se vale da gravata para ensinar. Talvez não precisasse desta se fosse bem-nascido como os outros. Entretanto, para dois destituídos de marcas, incentivos e boa formação desde a tenra idade, depois de estudar o mercado e suas nuances, por fim, rendem-se primeiro à aparência, deslocando para o segundo lugar aquilo que mais prezam: seus conhecimentos que lhes sobressai mais do que qualquer outro atributo que pudessem ousar.