SORVETE COM VINHO TINTO – 21.01.09
Mais um daqueles dias reservados por um nome ou um hieróglifo, ou qualquer significado em sânscrito ou aramaico; o que importa é que a visita de Pedro sempre acrescenta o fator sorte nos dias de Alice e nos dele também.
São raros tais fatores, mas hoje Alice se dedicara a preparar o almoço desde cedo porque Pedro apareceu solene. E por tão singular solenidade, a toalha da mesa revestiu-se de festa, as luzes da casa brilharam com intensidade especial e até um poema do Wilde colocou-se debaixo da manga de Alice para ser lançado, caso aconteça uma oportunidade.
Não se trata de mais um jantar para incentivar Alice a fazer as pazes com as panelas, o fogão e seu estomago sempre mais e mais exigente quanto a aromas, cheiros e temperos. Tratar-se-ia antes, de um jantar regado a literatura, troca de confidências, e lamentações sobre como anda a vida deles dois: de Alice e de Pedro.
Ele, um jovem moço em busca de sua afirmação, antes, muito mais escorregadia do que hoje em dia com emprego, salário, carro, moto e sabe-se lá, como pressentira Alice, a tendência do moço de ser solícito além do desejado, gerando desconfortos que expusera no olhar e não na fala, mas que fora captado por ela, que já detém certa manha para pressentir desconfortos no amigo.
Ela, com mais alguns planos de difícil execução, demonstrando para Pedro que a vida é mais divertida para os poucos que atiram as cartas todas de uma vez, sem temer naufragar - mais uma vez como na canção de Calcanhoto...
Pazes feitas com fogão, feirinha de hortifruti na pracinha logo cedo e panelas um pouco mais tarde, define Alice o prato do dia, bem próprio para quem tem que comer, porque tem que comer, porque tem que comer.
Assim, depois de cozinhar ao sabor etílico de um vinho chileno, só identificado como tal ao ser aberto, expondo sua nacionalidade na rolha, a moça se prepara então para um gole de um cítrico forte, como é tradição desta marca.
Depois do primeiro gole o gosto começa a acomodar-se e acidez é diluída em meio aos textos do Wilde e as panelas de Alice. Mesa posta, espera sem fim. A fome já foi até o gramado, distraiu-se com os passarinhos, voltou e revoltou o estômago indomado que quer comida, quer comida, quer comida.
Alice sentou-se sem cerimônia e comeu. Comeu mais um pouco e sentiu-se medicada como normalmente tem-se sentido ultimamente neste quesito. Por conseguinte, suas forças antes diluídas ao sabor dos pequenos goles homeopáticos de vinho, agora assumiram seu lugar de destaque.
Então, como sempre o sorvete e o chocolate contêm açúcar além do que aprecia, experimenta sorvete de flocos com vinho tinto. E a mistura foi aprovada, já que ambos se equilibram em excessos: o açúcar e a acidez. Assim como Pedro e Alice. Fica perfeito... Deveria ser experimentado por algum gourmet de qualquer lugar. Talvez será, ou quem sabe já tenha sido!
E chega Pedro atrasado para o almoço em que Alice expõe a sua necessidade de comer, de comer, de comer comida em doses homeopáticas. Justificados ambos se fizeram, por serem assíncronos e ao mesmo tempo afins na necessidade de se falarem e se verem para que seus caminhos se abram para além da vontade deles dois de se falarem sobre tudo o que há para se falar, falar, falar...
Ao final, despedida sem data marcada de reencontro, ficando no ar, ainda que não falada, a promessa de ambos se encontrarem em outra oportunidade, desta feita com os propósitos hoje expostos subtraindo dos seus corações a menor sombra de dúvida que estes estarão concretizados. Ressalte-se a combinação de afinidades dois a dois, resultando em 457 afinidades e mais uma: de sorvete com vinho tinto; enquanto degusta silenciosa e novamente só, sua mais recente combinação, Alice prepara-se para identificar o que está errado com amigo, antes moleque, agora tenso – teria amadurecido tanto assim? Não, algo está diferente entre eles...
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