fevereiro 27, 2013

ALICE PELO AVESSO - 27/2/13


            Assim começa a história, já que as estórias não são mais abrigadas na moderna gramática. Lá ia Alice resolver sua vida no feliz do viver de um dia que botava as roupas encardidas para escaldar, tamanho era o verão.

            Hoje pressentiu no amanhecer uma invasão na sua personalidade que não sabe até agora por que porta entrou. Diga-se, de passagem, que nunca fora moça recatada, de comportamento amável, desses que caracterizam as moças. Nada disto.

            Sempre desconfiava das vozes macias, acolhedoras, sem vislumbrar por detrás delas algo de verdadeiro. Então tomava conta da sua esquerda de forma especial, uma vez que sabia ser o lado perseguido para invasões que lhe alterassem sobremaneira a personalidade.

            Porque descuidara, foi hoje ter-se sabe-se lá com que força  capaz de leva-la a esquartejar sonoros palavrões, bater a porta da casa, do carro, do pensamento insosso, que insistia em atormentá-la, retirando-a da inercia que somente a pesquisa pode propiciar por quase horas, se seu tempo de ócio chegasse a tanto.

            Não chegando, foi ter-se com gente capaz de equilibrar a aura, a perna, os dedos do pé, levantando-os em exercício, fixando o dedão e o dedinho, levantando apenas os do meio. Tentou tudo, até parecer pacífica, aparentemente gente, tal qual na sua infância, sentada no balanço da laranjeira do quintal, inerte, como fingisse de morta.

            Foi hoje de manhã, depois de perceber-se sozinha para resolver tudo e um pouco dos outros. Então, finalmente chorou revendo-se usada e vilipendiada por aqueles que se dizem seus.

            Pensou como seria bom não ter nada nem ninguém que esperasse algo dela. Mas esperam. E por ser assim, sem poder alterar a ordem dos fatores, nem mesmo estudando equação exponencial e o raio que os parta, nada diminui no seu dia, o dever a cumprir, normalmente para os outros.

            E ao fim do dia, foi ter-se com a esquálida viúva que precisava de um afago cerebral para lembrar que ainda é mulher e que está viva, sendo prudente pensar, ir e vir, instigando-a a abreviar o sofrimento seu e do seu próximo que não tem culpa da vida ruim de ninguém, jargão perpetuado na família, ecoando no céu dos domingos graúdos, com ou sem sol e sem o Papa.  

fevereiro 12, 2013

NOS DIAS DE FOLIA - 8/2/13


            Hoje é sexta-feira “Friday-Vendredi”, dia de limpar. Ao som de “mulher sem razão” à la Calcanhoto, olho a romãzeira mal se aguentando de tanta fruta, algumas se abrindo para o sol, deixando enquadrada na janela da cozinha a imagem que pensava ser aramaica, sabendo agora tratar-se da maçã de Roma.

            Na fruteira, as romãs postas meio abertas, amadurecidas no pé graças às chuvas que nesta época sempre excessivas, causam o apodrecimento de tantas outras.

            Enquanto tomo meu café, recebo em visita a inspiração, numa hora nem tão apropriada, porém, esperada nos momentos mais inusitados, arrebanhada bem ali, junto ao visual observado por entre os retângulos da janela. Sempre bem-vinda que é, entra e toma café comigo ao alento da boa música, além da solitude necessária para que se materialize nos meus dedos.

            Materializada que se fez, tenho por bem não contraria-la indo ter-me com a tela alva, a espera de algo que a preencha aquecendo meu coração como não o fazem demais fatores externos.

            É carnaval e também no meu coração. Quero a rua, gente por perto.  A alegria terá encontro marcado comigo por ser o melhor momento do ano para tal. Quero populares ao redor, sem nada de mais sério a pensar, nenhuma pendenga por resolver, sem embargo nenhum da fantasia.

            E as romãs continuam ali, paradas, esperando a hora de serem apreciadas. Por agora é urgente ser feliz. Porém, sem aditivo outro além do bem-estar interno, a alegria que até pode ser encontrada em garrafas no supermercado mais próximo, veio hoje ter-se comigo fazendo-me entender definitivamente esse gosto pelo caminho mais árduo.

            Difícil tal qual se apresenta, colo a alegria na minha cara e saio à procura de um símil que também já a tenha colado. Exceto pelo aditivo etílico, não vejo nada similar ao redor. Amplio o “zoon” e nada.

Constato que o caminho mais fácil faz a cabeça da maioria. Cansada da busca pela alegria “in natura”, desisto seguindo única com a minha melhor alegria, porém, imersa em todo o resto etílico que se abre diante da minha curiosidade ante este fenômeno a tomar conta dos meus amigos, tornando-os mais interessantes, falantes e aptos a relatar suas culturas e experiências, além daquelas que só vêm à baila etilicamente... Talvez o tempo gire diferente nos dias de folia. Talvez...

fevereiro 03, 2013

AMARÍSSIMO -3/2/13


           “Lá vem, lá vem, lá vem de novo...” Como cantava a legião, alguém entra novamente para mais um dia de trabalho. E por detrás, entra um gosto amaríssimo pelo que deveria estar a contento e não está.

            É um mal tão evidente, nem um pouco disfarçado de forma a contagiar a todos os desavisados que não vigiam. Vigiar é o mister mais importante para o profissional que pretende prosperar naquilo que lhe foi destinado como meio de sobrevivência.

            Muitos se contaminam, entretanto alguns percebem a necessidade de proteção fazendo-se vigilantes. A vigília é o quesito fundamental para ser um bom profissional.

            Mas um ou outro desavisado não se considera satisfeito no que faz. Falta-lhe organização e disciplina, itens que talvez não possua, razão pela qual devesse estar em outro lugar fazendo coisa diversa. Mas é lá que está e é onde precisa manter-se ajudando a tantos quantos dele necessite.

            Assim, em dias sim e noutros também, uma ira se manifesta de forma contundente, deixando claríssimo para todos que ali não é seu habitat. O que fazer então para fazer jus ao salário, embora julgasse serviço excessivo e incompatível com o contingente de funcionários?

                Como afirmado, falta-lhe disciplina, vestindo a armadura reluzente capaz de propiciar-lhe a sensação de que cumpre o seu dever e merece estar ali. Algumas vezes, falta-lhe percepção que o conduza a uma nova forma de aproveitar melhor a mão de obra. Se o aumento do trabalho é maior do que a mão-de-obra disponível, a sabedoria consiste em utilizar-se desta mão de obra de forma a atender à demanda; ao menos tentando buscar este foco. Ainda que lhe seja amargo.

            Parece simples quando o interesse final é a produtividade. No entanto, no serviço público os detentores do poder não costumam se preocupar tanto com os fins, mas com os meios.

            Assim, em meio ao amargor que permeia o caminho daqueles que não descobrem novas formas de atuar levando consigo a bagagem alheia, não confiando e não se permitindo descobrir talentos oriundos de práticas diversas, o contágio amaríssimo será tão líquido e certo quanto os títulos de crédito o são para seus exequentes.

            Em suma, a realidade é que nos salva de qualquer dificuldade, até mesmo as profissionais, vigiando além do que aconselham os sábios e trabalhando com critérios peculiares para cada caso. E tudo isto ainda será pouco...