junho 27, 2010

A CONTRASSENSO – 27.06.10

Brincadeira de mau gosto de algum espírito espoleta ou seria mais um contrassenso da história? A verdade é que a casa que abrigava a obra imortal do Graciliano Ramos, aquela mesma obra que versou sobre o tema recorrente da seca, vê-se náufraga numa terra onde a seca sempre aniquilou a todos.


Na última chuva torrencial a casa onde nascera o genial mestre da descrição minuciosa, pormenorizada, seca até a alma, tornou-se toda molhada. E tudo restou perdido. Não na memória de uns tantos, que devem correr em busca de mais um livro do Graciliano. Não foi assim com Rimbaud, que teve a sua obra perdida, sabe-se lá em quais telhados ou alcovas de Bruxelas? E por isto despendeu-se mais valor à obra.
Então, Alice pensa nas consequências positivas que pode uma tragédia desta magnitude alcançar. Pode ser que num futuro próximo, leitores desconectados deste autor busquem conhecê-lo. Também pode ser que não. As causas provocadas pelos efeitos catastróficos nem sempre são iminentes ou visíveis a nós humanos.
Mas, Alice pensa sobre a efemeridade que circunda as obras, os autores e as diversas maneiras pelas quais se perpetuam os trabalhos de criação. Quase sempre eles são cuidados por quem lhes têm simpatia e os organiza segundo seu critério de melhor exposição.
Aí, eis que subitamente chega uma força da natureza e se sobrepõe a todos os critérios de exposição da criação. Mas, não é tudo criação? Sim, mas com a tendência de conterem a energia dos seus criadores.
Muita vez, essa energia emana de fontes que se impregnam mais do que o necessário. Ou, por outra, quem sabe não seria um caso de profunda tristeza do autor que preferiu ver sua obra destruída a ser lida como mera relíquia de outros tempos.
Também pode ter sido brincadeira do destino, que ousou alterar a sua tendência, vislumbrando a possibilidade de o tempo alterar o curso da seca sempre causticante ali naqueles sertões cheios de folclore.
E quem haverá de saber o verdadeiro sentimento do autor que pode ter presenciado em espírito, a lavagem de todas as suas minúcias, sucintas até não mais poder, até perder-se de vista, agora ali, isoladas da sua busca de consolidação com o futuro. E quem há de dizer se existe coerência nas coisas feitas com o coração?
Ninguém. Nem mesmo Alice encontra justificação para uma perda assim iconoclasta. Exceto pelo seu inexplicável “feeling” que não sabe se é profissional ou ocasional, mas que insistentemente lhe sopra aos ouvidos sobre tais obras submersas nas águas, tiverem agora sua sede abrandada de forma cabal, animal, visceral.
E pensa mais, se não seria um fim predito por Graciliano, que de tanto reviver a seca, quisera agora se indispor com a cheia do rio, de forma a continuar, sabe-se lá em qual corpo, a sina plasmática de escrever sob ótica oposta, agora encharcada de dar dó.
E para completar a piedade, livros escorridos, caminhos contraditórios, desejos insatisfeitos e inglórios tão aflorados nas palavras, que sendo ele desencarnado, capaz de alterar o curso da sua própria história tanto quanto não o fora em vida, ainda assim o faria da forma como fez. E então, transformou o riozinho em mar e enfureceu-lhe as nascentes, lavando toda a sorte de resquícios da sua imortalidade água abaixo.
Para quantos possam pensar finita a obra, Alice prefere deduzir que num outro corpo, numa nova aura, com novo plasma, ele já se recompõe e se prepara para o ressurgimento de uma nova literatura mais aprimorada, revigorada, continuada do ponto em que a água levou...

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junho 21, 2010

QUANDO EU NÃO LEIO – 21.06.10

Quando eu não leio, também não penso a literatura. Ela é assim como um parente querido que tenha por visitar com uma frequência que não faço com os demais. Aliás, não sou boa em visitas. Não sou boa em muitas coisas que me preocupam profundamente, dado à recorrência que me visitam.
São flagrantes as minhas necessidades de ter que ser boa, de tomar a iniciativa e de ser esperta no raciocínio. Sinceramente não sou nada disto. Preciso de tempo para pensar e concluir sobre um tema. Necessito de reflexão contraditória até poder concluir sem sombra de dúvida se alguém está interessado por mim, por minha teoria, ou se são devaneios.
Ocorre que a vida é muito rápida. Tão rápida que eu me perco nos momentos decisivos e os deixo passar sem uma atitude arrojada. E a sensação persiste em tudo quanto faço. Não sei até que níveis isto procede, mas sei que ocorre em certa proporção que anula minhas melhores e mais difíceis aproximações.
Já tentei descobrir se é assim com as pessoas ao redor. Desisti de saber no momento em que detectei muitas diferenças circunstanciais entre mim e todo o resto que vive normalmente e que não sofre tais dissabores.
Então, busquei em Mesmer, através de sua tese de mestrado sobre magnetismo animal e percebi que tenho muito a caminhar se quiser descobrir. Às vezes sinto cansaço. Não me dou tal direito exceto por uma noite de sono de seis horas completas, sem interrupção. Depois, recolho todas as dúvidas, os fracassos e todas as oportunidades perdidas, coloco num saco e jogo às costas, saindo por aí em busca de executar todas as tarefas que não cumpri – as do saco às costas.
Algumas eu consigo remendar, outras ficam que nem soneto remendado – bem pior. Noutros dias, quando talvez me ronde a revolta, ou sentimentos ainda mais inferiores, então eu leio. E leio, e leio mais um pouco.
Em tendo me faltado livros, sento diante da mais inteligente descoberta, esta que coloca a todos em nível de igualdade nas buscas, a Internet, a qual aniquilou de vez o sistema de posses para os bons leitores e nos deixa a todos pesquisar e ler. E continuo lendo.
Num dias desses, espero ansiosamente que passe por mim uma teoria a qual serei capaz de experimentar; provarei que funciona para resolver estes problemas de postura na vida que ninguém nos ensina, mas que sabemos serem perdidos de algum modo, em um dado lugar, com uma pessoa determinada, numa situação atípica, nos imobilizando, levando à burrice tipificada talvez, em algum artigo do Código Civil ou da Constituição.
Até lá, espero não ocorrer perdas significativas, porque disto pode incorrer outra situação ainda mais grave, qual seja a de acostumar-se às perdas e danos. Tendo em recentíssima vista que as perdas também são caminhos para ganhos, normalmente inesperados, ao menos encontrei uma teoria que dissipe o medo diante do fracasso e relembro de M. Camelo dizendo “...perde a glória de chorar....olha lá!”

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junho 14, 2010

IMERSÃO NO FRIO – 14.06.10

Mais um inverno rigoroso nos rodeia. E com ele, a certeza sempre recorrente de não nos termos preparado para tal. Esta sensação tem ocorrido conosco que moderadamente não falta opção de vestuário; o que dirá daquele que não conta com opção?
Ouvi relatos familiares de que o frio deste ano relembrou os idos de 1950, quando as crianças iam para a escola a pé, em grandes distâncias, com chinelas havaianas e blusa de flanela muito fina, da mais barata. Some-se a agravante das meninas irem de vestido ou saia para a escola, uma vez que ainda não se usava calça comprida para mulheres, ao menos no interior pobre do Brasil àquela época.
Não havia também, campanhas de solidariedade para salvaguardar os carentes de agasalho e cobertores. Invariavelmente, temos no guarda-roupa um cobertor que cheira a guardado, que não gostamos e não nos faz falta.
Ao pensarmos que um agasalho a mais pode melhorar substancialmente o aconchego noturno de quantos possamos conhecer isto deve ser motivo suficiente para doarmos o que não usamos mais.
Faça um favor ao seu guarda-roupa; deixe que ele respire melhor, e sinta como um gesto de caridade pode alterar o curso do seu dia sempre igual, com a mesma rotina, regado a chocolate quente, café com leite ou qualquer outra preferência para aquecer o corpo no inverno.
Experimentar o aquecimento da alma pode fazer do inverno uma estação tão acolhedora quanto o nosso verão. Sair da inércia é o primeiro passo que nos espera. O resto vem como consequência.
Provavelmente já devemos ter comprado um agasalho novo. Já doamos um antigo? E isto não se constitui obrigação, mas, consequência natural para aqueles que não gostam de armários entupidos de coisas que não chega a usar.
Muitos agasalhos não são usados por estarem fora de moda, gastos, ou ainda, por estarem escondidos no meio de tanta parafernália que nem chegamos até ele. Isto parece compulsão por comprar, por medo de sentir frio, ou por necessidade de ser diferente a cada dia.
Existe uma descoberta que só é obtida por aqueles que ousam preocupar-se com o frio alheio. Isto atribui de fato um agasalho novo, diferente, colorido e que todos querem ter semelhante: a satisfação advinda ao pensar que existe alguém bem aquecido como a gente. Isto é o adereço que deveria compor a moda, com mais ênfase no inverno, já que o frio costuma fazer doer ossos e músculos, desencadeando outras doenças.
Matematicamente tento vislumbrar o número de cobertas, cachecóis, luvas, meias, paletós antigos que podem sair de cada guarda-roupa e socorrer aqueles que por rotinas inexplicáveis a nós humanos somadores e calculadores, não se precaveram e se perdem pela vida com mais um ingrediente para dificultar: o frio.
Assim, a este somatório de adereços contra o frio, subtraia os agasalhos em desuso que todos temos. Isto nem é caridade; é limpeza de armário já que caridade é doar aquilo que nos é caro, não aquilo que não utilizamos mais...

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junho 06, 2010

LUTAR POR DIREITO É ... – 06.06.10

Ao ler Ihering e sua conferência sobre “A luta pelo Direito”, uma conferência que gerou o livro, onde ele aborda nos idos de 1872, na primavera de Viena, um tema sempre recorrente e atual, sobretudo quando ele evoca a transigência diante do espírito de conciliação.
Ainda outro dia assistindo uma palestra de Raul Teixeira, que por sinal não é jurista, mas sempre fala com muita propriedade sobre temas distintos, deixou muito clara a distinção entre vingança e justiça. Ele dizia que quando fica evidente que a pessoa busca ver o sofrimento, ou o constrangimento do seu agressor, neste caso configura-se muito mais a necessidade de vingança do que propriamente buscar pelo direito. É quando a pessoas afirma que quer apenas que o outro pague, ainda que não lhe renda nada.
Distinguir a linha tênue existente nestas duas searas não é tarefa para a qual esteja preparada a maioria dos juristas, sobretudo porque se costuma ver de forma não menos comum, até mesmo os juristas se alimentando do mesmo ânimo de vingança dos seus clientes.
Há que restar, portanto, uma posição bastante profissional no seu mais alto grau, de forma a não se deixar influenciar pela posição consolidada do seu cliente, suas dores e agruras; essas devem, de preferência, permanecer no íntimo da pessoa agredida, até porque, para se atingir a moral de alguém são utilizados pesos diversificados, conseguindo ou não lograr êxito.
Neste sentido, Rudolf von Ihering buscou demonstrar o estado de espírito das pessoas imbuídas no afã de buscar seu direito a todo custo. Mas, segundo ele, o fim do direito é a paz e o meio que se serve para obtê-la é a luta. E luta sem tréguas.
Assim, estando insertos neste meio, o que nos resta é selecionar as armas com que lutar, justamente aquelas das quais nos faremos companheiros, por serem pertinentes não nos causando dano maior do que o fato de ter ao nosso jugo um sem número de armas. O que é pertinente e o que não é. As armas são técnicas e devem ser utilizadas de forma a demandar dedicação e gosto pelo trabalho minucioso de arrebatar provas pertinentes, corretas.
Não devemos desconsiderar que um comportamento profissional não abre espaço para manifestações de prazer ou desprazer. Ocorre que estes existem internamente e devem ser mantidos numa caixa hermética, a ser aberta no local certo, manifestando a alegria pelo êxito diante das pessoas certas.
Então, ao advogado não cabe nem ao menos uma comemoração como aquela que o jogador exterioriza depois do seu gol. Não! Mas, então não existe em tudo isto um contrário senso, como se apoderam os juristas deste termo em uma usucapião pela palavra! Pois é! A contra senso, as ações são uma parte desassociada das suas causas.
Mas, é sabido que a toda a ação corresponde uma reação. Ao bom advogado cabe treinar que elas sejam manifestas apenas internamente. E o cliente deve saber disto. Pode eventualmente colocar em prática ou não. Depende do tamanho do estrago em seu íntimo; talvez em seus bolsos ou até mesmo na sua cabeça.
O que deve restar praticado é o ânimo moderado, exatamente do tamanho que conduza à vitória, sem, no entanto, configurar-se pela prepotência ou excesso de certeza do sucesso.
Ora, tratando-se de um ambiente em que se procura a paz valendo-se da guerra, ficou demonstrado que tal silogismo não é fácil de ser demonstrado. E se o fosse, igualmente seria fácil a prática da justiça.
Diante de tamanha dificuldade que permeia não somente o conhecimento, a aplicabilidade e a interpretação da lei, não esquecer de acrescentar uma visível linha divisória entre orgulho ferido e justiça necessária; é um caminho que tem tudo para chegar ao sucesso sem a menor impressão de que necessitou lesar alguém para sua obtenção.