EU NÃO COSTUMO ESQUECER UM ROSTO... 19.07.09
... Mas no seu caso, vou abrir uma exceção... Foi pensando em esquecer que Alice acabava de chegar em casa priorizando as tarefas que se impôs. Na sequência, a tarefa é rever mais algumas vezes aquele filme monótono em inglês, até se encher totalmente dele; até que ele se impregne todo em seus ouvidos ávidos de tanto entender e emendar palavras e pronúncias.
Como pensara em abrir exceção, e como os exercícios da manhã aumentam a cada dia num prodigioso efeito muscular nunca antes obtido, pensa ela num lapso de segundo, que deveria também impor coordenação aos pensamentos, ultimamente um tanto alheios a ela.
Para treinar especificidades, que venham estas, pois, com seus regimentos e suas indumentárias previsíveis para os momentos de ordenação mental. Nessas horas, vale qualquer efeito dinâmico para pulsar as idéias.
Lidando com idéias, já se acostumou com os lapsos de tempo que não pode deixar escapar. De tudo que Alice tem como qualidadade, a mais cristalina é a de parar para ouvir e aprender com as pessoas.
Então, depois de tentar por quase um ano com a nova amiga que falava falava falava sem parar, ela finalmente, deu-se por vencida depois do último domingo, quando mais uma vez sentara e escutara a amiga na constante monofonia que invade sistematicamente os neurônios, espanta a clientela e até os amigos, sem ao menos se dar conta do que faz.
Mas hoje, o lapso pelo qual cruzara incitava para especificidades. Então, de conformidade com ele, entrou na garagem utilizando o controle remoto porque de outra forma não conseguiria chegar.
Demais de tudo chegou. Estava em casa. Fechou a porta do carro no escuro, como se não pudesse enxergar. E não enchergava mesmo. Com a facilidade assumida que tem Alice por aprender até mesmo com os lapsos, imediatamente deixa pulular seu instinto que avisa para um treinamento dissonante, tal qual a sua forma mais abrangente, ainda que desgastante esta forma de aprender.
Com o auxílio do tato consegue abrir a porta. Entra sem acender a luz. Caminha por sobre a escada e vai até o quarto guardar a roupa e o sapato que costuma tirar ao entrar em casa (um mix das teorias orientais com as indianas, por vezes gerando conflitos).
Troca de roupa, executa todos os gestos do modo como de costume. Desce até a cozinha e vai tomar água. É o ápice da especificidade ora abordada. Abre a torneira e deixa o dedo dentro da caneca para sentir o nível da água. Mata a sede, matando juntamente aquele desejo que até há pouco insistia em tomar espaço no seu ego.
Ao mesmo tempo em que se sente extenuada, envolta por uma realidade que não lhe pertence, Alice traveste-se de um momento como pegasse emprestado de alguém; e nem imagina de quem. Mas, revestida que se faz de dificuldades outras que não são as suas, ao retornar a estas, costuma vê-las menores, “inofuscantes”, nem tão inebriantes quanto das últimas investidas.
Tem ela por bem, que essa prática vem-lhe como colírio depois de mais um dia de trabalho, sobretudo quando cai a noite e seus músculos respondem presente um a um, sem nem ao menos tê-los solocitados para qualquer fim.
Assim, como não costumasse esquecer um rosto, apesar de ser péssima para nomes, abre agora uma exceção; desta feita para tudo que sobremaneira joga deliberadamente dentro do seu cérebro, julgando-o incomensurável como já descobriu que é; porém, sem a menor parcimônia quando o assunto é sobrecarregá-lo. Talvez tentasse chegar ao infinito matemático, cósmico, analítico, sintético. Em não conseguindo, exercita-se buscando abrir uma exceção.
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