março 21, 2009

SUTIL – 21.03.09



Juro para vocês que se eu fosse Dom Casmurro, escreveria por certo, como ele, que por um motivo pungente pego na pena para escrever esta história. Como não sou, e qualquer semelhança trato como mera coincidência, então simplesmente digito.
Mas, igualmente pungente é o meu motivo para teclar. É que senti hoje de forma contundentemente estupefata que ainda existem pessoas dotadas de sutileza. E como tivesse de início uma dificuldade para definir a gentileza recebida, volto ao Aurélio eletrônico ainda não revisado segundo as alterações ortográficas, ainda assim, meu inspirador maior de definições previstas, e então ei-la, pois – sutil.
Não é que minha agenda personalizada a custa desse ofício de pensar e escrever rendeu-me hoje um gesto sutil! Alguém ao telefone vem lembrar-me que especialmente neste 20 de março viu-se “...saindo de casa para mais um dia em busca do inusitado, do incomensurável que me fará irremediavelmente feliz...”.

Com este gesto, lembrou-me neste início de outono das amizades que a inspiração costuma atrair. Lembrou-me mais, que abrir as portas da casa para abrigar tal estado (junto da inspiração), raras vezes, a não ser depois de observação bastante atenta, ou de efeitos especiais sobre certos leitores, percebo que alguns raros são tocados.

E uma vez tocados, manifestam-se segundo o contexto, pela amizade ou até mesmo pela sensibilidade reservada àqueles seres mais aptos à sutileza. Daí resta uma satisfação ao ver que um texto pode transcender o tempo e o espaço, atingir um coração desencadeando uma sintonia inesperadamente abrangente.

Eu, que nem me lembrava ser hoje o dia da alegria, acabou sendo, e por um motivo que senão real, não me pareceu volátil como tantos outros dias de criação. Foi como se a criação saísse do estado de plasma, ganhasse um corpo além do sutil e viesse visitar-me como que agradecendo por algo bem feito.

Talvez fosse obra de Ganesha; quem sabe algum resquício de informação sobre os aspectos “Maha Maia” que vem a ser aquele que se camufla, não impondo sua presença, mas antes, porém, querendo ser reconhecido depois de uma busca meticulosa (um passeio sobre a teoria indiana acerca da energia que nos envolve a todos). Talvez fosse assim o trajeto da inspiração. O fato é que por vezes, podemos ser pegos de surpresa quando esta inspiração serve para tocar alguém mais, além da gente.
Foi aí que obtive a combustão necessária para admitir sem sentir-me pusilânime, que a modéstia é de fato a vergonha que temos de admitir sermos bons e a partir daí, aprender a lidar com a vergonha, com o fato de sermos eventualmente bons; e mais, com o equilíbrio entre as duas coisas quando não formos nem uma coisa nem outra, ou seja, nem bons nem modestos, enaltecendo e excetuando-se de todo este emaranhado, a raridade sutil.

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março 15, 2009

ALI, “OVER THERE” – 15.03.09



Estica os dedos como alongasse os tendões do braço para iniciar os trabalhos, quando na realidade, o alongamento é dos neurônios que se prontificam ainda sonolentos para mais uma investida da inspiração, ou da ausência desta, mas que mesmo assim, é exigida uma produção para o alimento intelectual semanal interposto entre ela e o seu teclado.

Como não quisesse falar detidamente sobre a reunião familiar, seu efeito psicológico agora bem mais definido, navega então pelo seu dicionário buscando um tema, algo que lhe desperte interesse em transformar em texto.

Depois de sonhar que era mais um dos milhões de desempregados desse mundo, aumentados como formigas, repensou sobre o que faria se fosse verdade, e incrivelmente encontrou inúmeras saídas, todas estratégicas, podendo finalmente ser o que sempre quis.

Mas era um sonho. Em realidade continua trabalhando, inclusive no domingo com sol, iniciando um dia em estado de reflexão acerca do que conversara ontem, sobre lazer, passeios, viagens e a sua eterna falta de prioridade para tais coisas.

Bem secretamente, espera uma viagem diferente de todas que tivera, todas muito decepcionantes, incompletas, com a agravante de apresentarem faltas que não podiam ser assim, mas que foram. Daí a total dificuldade de sair do lugar.

Ontem foi mais um dia ofertado para observar comportamentos, entender porque os ciclos se repetem muitas vezes invertidos, porém, com um grau de similaridade que descompõe até mesmo a teoria da reconstrução, a qual sempre vem em socorro dos perdidos, daqueles que não podem mais suportar a seqüência normal de vida onde estão inseridos.

Foi também uma noite para concluir que felizes são os que partiram para cuidar da vida sozinhos, sem muito onde encostar, e que finalmente têm suas vidas desprovidas de comentários, exceto os longínquos, intangíveis, por conseguinte, inócuos. O que sobra são os efeitos capazes de roubar uma parte da noite de sono, induzindo a sonhos como estar desempregado.

Com quesitos inescrupulosamente livres para pensar, deduzir e concluir, agora é como encontrasse aberta aquela porta que sempre estivera trancada; uma vez aberta, pode-se vislumbrar ali dentro todas as justificativas pelas carências expostas e ocultas, dando-se até o direito de sentir-se desconfortável ao ver as alterações de comportamentos que beneficiam alguns em detrimento do bem-estar de outros.

Ao final, porque não perdera o emprego, não fora tratada nem melhor nem pior pelos familiares, restando a sensação de ser forte, muito forte, fortíssima para suportar tanta mudança que a consciência desencadeia nas pessoas tão somente quando envelhecem, tenta conviver placidamente com tais alterações, buscando uma força que não tem para entender porque nem todos os membros de uma mesma família são tratados com igual cuidado.

E deduz através de um sonho que as perdas são necessárias, e com um pouco de sorte, aqueles que mais perderam podem ter desenvolvido o seu lado criativo, impregnando todas as suas impressões com um pouco de realidade, sem a menor disposição para cobrar nem receber nada; apenas seguir do seu lado entendo que talvez estivesse chegando a hora de também sair de cena, deixar saudades e ir para onde a intuição antes abrira caminho, ali, “over there”.

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março 07, 2009

DEU-SE UM LUXO – 07.03.09



Foi ontem pela manhã. Laura reservara para si um mimo, um afago, um luxo que nunca se dera antes, nem mesmo em sonho. Na verdade, ela não fora capaz de dar-se a tão especial presente por decisão própria. Não! Houve eventuais pressões rápidas e indolores, ministradas semanalmente, em doses homeopáticas, indicando-lhe o caminho das Índias.

Laura não é dessas que perde bons conselhos e se nega a aproveitar experiências alheias em sua vida. Graças a isto se mantém intacta, tal qual uma boneca descolorida de gesso.

Hoje estava definido que seria o dia de entender os porquês não respondidos e sempre perguntados. Fez seu orçamento para o mês onde incluiria ali a sua hora de viver. Era como se saísse para passear com ela mesma; perguntou-se onde gostaria de ir, o que gostaria de fazer, enfim, deu-se preferência pela primeira vez na vida.

Inseriu em seu tempo para si como sendo a hora de ser descoberta. E foi uma grata e doída surpresa. Ao final da sua sessão de terapia, Laura descobrira a origem do seu posicionamento sempre à margem da vida, das decisões, das escolhas, e de tudo mais.

Quando saíra de casa era Laura. Ao voltar já era outra. Pensava em todos os seus passos, em acontecimentos e seus porquês e já não evitava mais as respostas. Reconheceu a fragilidade da sua formação, tentou questionar se havia a mesma similaridade na educação dos filhos e imediatamente desassociou tais ideias.
Apenas aprendera a reconhecer-se melhor, sem medo de uma eventual e necessária reconstrução de uma vida diferente, com posicionamentos que lhe permitam mais vontade de viver, maior equilíbrio, encontrando o seu espaço.

Para tanto, reviu seus conceitos acerca do lugar onde nascera e sempre vivera por intermináveis anos, sempre a espera da hora de deixar aquele lugar, um ideal que se cristalizou sereno quando viu suas filhas partirem. Foi como se consolidasse ali a oportunidade que um dia quisera, mas que não era reservada para si.

Também seria assim com a maioria dos bens e dos pertences ao longo da sua vida deixados de lado, não despertando em Laura a menor vontade de reavê-los. Entendeu mais, porque tais comportamentos não são normais nas pessoas e o que eles costumam desencadear uma vez instalados e apoiados.

Assim, depois de um balanço que terminara sem saldo nem crédito, restou para Laura a certeza de que continuar é uma necessidade, talvez incompatível com sua possibilidade, mas que segundo sua tendência em quase nunca poder nada para si, deverá por certo, criar subterfúgios intermináveis para atropelar seu tratamento, ainda que parcialmente se mostrando a caminho.

De resto, ela se presenteou com o alívio por sentir que através da reconstrução dos comportamentos tudo pode ser alterado para o lado que lhe for conveniente, ou verdadeiro, ou quem sabe, para um modo mais real de viver.

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