O QUE EU TENHO CONTRA MIM? – 11.09.09
Foi anteontem à noite, quando Alice nas suas possibilidades reais de êxito, colocara tudo a perder. Resultado: o maior fracasso que já tivera na vida.
Primeiro, sentiu uma enorme vontade de sumir, de largar tudo e não ser encontrada por ninguém. Depois, tentou aplicar as técnicas de convivência consigo e suas limitações, sem muito progresso.
Mais tarde, obtido algum consolo, desses que vêm depois da localização das falhas que levaram àquele sofrimento, admitindo preguiça e essas coisas que corroboram para que você tenha certeza da sua culpa, máxima culpa.
Como não pretendesse mais a esta altura da vida mudar nenhum sistema, essas coisas cansativas e chatas, resolvera melhor, não ser tão cruel consigo. E começou perguntando-se: O que eu tenho contra mim? Não sou realmente de confiança? Eu posso mudar este quadro?
Tendo encontrado respostas para tudo, resolveu ser mais tolerante com suas falhas, embora muitas sejam básicas, até mesmo expondo por vezes, as regras elementares de sobrevivência, colocando-se em risco de graça só para ver no que vai dar.
Concluiu que a vida é assim. Descobriu que lhe falta aceitação até da ordem mais elementar da natureza e seus ciclos. Ela odeia os ciclos. Odeia repetição. Trouxe vários traumas por consequência desta postura.
Mas, em compensação, ela descobriu que ama muitas coisas na sua personalidade. E nas horas de falhas, que são muitas para o seu gosto, basta mirar-se nas qualidades para que os defeitos sejam minorados. Normalmente são.
Como acreditasse que a prática deve ir além da teoria, começa por agora suas mudanças de tratamento. E o faz pedindo ao cérebro que a perdoe. Por tudo de ruim que tem depositado ali dentro. Ele não é uma gaveta escolhida para ser menos aberta, aquela em que colocamos as roupas fora da estação. Não! Ele merece cuidado.
Alice percebera que vem tratando mal não apenas seu rosto, seu corpo, sua alimentação, mas, seu cérebro. Sabida da realidade que pode criar ou aniquilar busca agora um resumo da matéria que nunca estudou na escola. Sei lá, faça qualquer coisa, decore, degluta, engula, rememore; o importante é fixar, não retornar nem mesmo por comodidade ao estado de então.
Pensa agora onde depositar todo o excesso pesado retirado do cérebro, que ficou ali, como fosse montanha, parada, sem sair do lugar. Mas são removíveis, elimináveis, não faz diferença a sua existência naquela gaveta.
Munida de decisões importantes, pega sua agenda, anota um amontoado de providências, cálculos, e pensa inclusive numa planilha de orçamento doméstico em mãos, já que a do computador tem repelido seus cálculos; “teria ela uma vontade própria secreta de acabar com meu orçamento”?
Pensou muito bem e resolveu, por medida de segurança, revestir a tal agenda não de uma capa, mas, de uma armadura bem reluzente, capaz de frustrar qualquer tentativa que Alice tenha de abandoná-la, justificando que precisa exercitar neurônios.
Tudo bem que os neurônios necessitem passear, sentir novos ares, aumentar sua endorfina, por que não? Mas, Alice precisa também de organização para não se cansar demais.
Assim, logo mais às oito da noite, por certo verá Alice transitando com sua agenda reluzente, eventualmente parando e consultando sobre alguma coisa por fazer, tomando seu rumo em seguida, com a certeza que sempre evitara no seu deslocamento.
E se não pedir muito, pode ser que conste desta agenda, uma lista de supermercado, dessas em que nem precisamos pensar, basta seguir, seguir, seguir... E ao final, veremos se está mais descansada, mais desconsolada por sentir-se inútil cerebralmente falando, ou se irá render-se finalmente ao controle da pessoa sobre as coisas, valendo pensar sobre o inverso. Vamos aguardar para ver quem sairá vencedor, se Alice ou sua agenda.
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