fevereiro 28, 2009

COMO ESTIVESSE NUA – 27.02.09



Como estivesse nua ou com um biquíni minúsculo, passando pelo crivo de uma equipe de inspeção para um concurso de beleza, torcendo para não serem percebidas suas imperfeições, é assim que se sente Alice quando lhe perguntam sobre o que escreve e a mera coincidência com realidade que a cerca.
Para que se entenda o universo das dificuldades por que passam todas estas criaturas, seres escreventes que nem sabem direito como isto acontece em suas vidas, é mister entender que os escritores são escolhidos pelas palavras e não escolhem absolutamente amanhecerem escritores num belo dia de outono inspirador, com uma paisagem longínqua como assim parece ser.
Não! Escritores são levados a esta situação sem serem questionados se gostariam de sê-lo, embora muitas vezes mais tarde, irão tentar responder tal questão, sem sucesso. É quando escreverão ainda mais e mais.
Tudo é motivo de tema para escrever, até mesmo a falta de tema, as conversas com amigos, a falta dessas conversas, os tipos caracterizados de amigos e aquelas pessoas idealizadas como tipos ideais narrativos, ou tipos imaginários que transitam entre o real e o lúdico. Acontece de tudo neste trânsito. Para o escritor, o anonimato é a sua maior defesa; daí um pseudônimo vem salva-lo da vigília que terá por suportar ao longo do seu trabalho, sobretudo e com mais ênfase, se este trabalho tender para a liberdade maior do pensamento.
Então, quando um amigo sorrateiramente vem sondar Alice sobre ela utilizar-se de pessoas da vida real para seus textos, ela não consegue omitir a verdade, porém, quase se sentindo nua diante daqueles olhos curiosos. Talvez ele apenas interrogasse por curiosidade ou identificasse a si mesmo em alguma crônica real, caricata, exagerada, cômica, triste, cruel.
Cruel é o qualificativo que mais preocupa aqueles que ainda não perderam totalmente o senso de limite, por conseguinte, ainda não pertencendo ao rol dos excelentes escritores que acredite ou não, andam por aí, vão e vêm muitas vezes sendo alvos deles próprios ou emprestando certas nuances que faltam às personagens e que ele gostaria que tivesse.
Assim, cercada que se vê Alice, tolhida e cerceada a sua liberdade até mesmo de ir e vir, é assim que se sente ao responder que alguns modelos são reais dentro da sua ótica, outros são enriquecidos com aditivos interessantes e alguns outros, são destituídos de suas características, levando-os a um haraquiri se acaso se reconhecem ali descritos.
Portanto, não sem motivos são os seus desassossegos quando alguém comenta que leu um texto seu. Ela se põe a imaginar imediatamente como em defesa, se tal pessoa já fora uma sua personagem. E imediatamente se retrai, perde o rebolado e tem que respirar fundo se quiser prosseguir.
Então, alguém deve se perguntar sobre a insistência em manter um ofício tão execrável, como bem o definiu num de seus textos o inspirador de Alice, Rubem Braga, que dizia ser esse trabalho de narrar fatos e feitos, um ofício que não lhe trazia nenhuma glória; ao contrário, trazia dissabores por empregar tanto esforço mental na produção de deduções nem sempre corretas, justas.
Também é assim com Alice e com tantos outros levando a vida neste vai-e-vem descritivo, por vezes se sentindo ameaças públicas por onde passam e respondendo solenemente que se inspiram sim nas pessoas que o cercam e naquelas que não os cercam também.
E deveriam sinceramente transpor um confessionário especial de escritores, onde prestariam contas dos seus escritos, ainda que anônimos para o povo, mas não para seus criadores, para quem sabe assim, eles não se sentissem quase nus quando alguém lhes dissesse na rua ou no trabalho que leu seu texto esta semana.

Marcadores:

fevereiro 24, 2009

COMPULSÃO - 24.02.09



Tudo começa quando nasce o dia. Tem compulsão por viver. Quer viver intensamente todo o tempo. Dormir é perda de vida. Não fosse a reposição biológica um benefício direto do sono, ela já o teria abolido da sua rotina.
No ritmo atual em que se encontra resolveu assumir que quer ir embora para longe, longíssimo, “longínquamente” viver em outras terras, com outras línguas. Demorou a assumir para si uma definição das mais difíceis, porém a mais concreta que tem nas mãos, já que não se encontra por aqui.
Compulsiva por sua própria natureza, com um grau acentuado de competição em tudo quanto idealiza, idealizou sua retirada lá para onde não lhe atormentarem as lembranças. Essas serão minimizadas como na tela do editor e, eventualmente poderão ser revividas com data e hora de aparecerem, sumindo minimizadas quando começarem a aborrecer.
Como nascesse o dia com ares de chuva, começa a manhã competindo com o clima, indo para a rua bem cedo, com vontade de correr, contentando-se, entretanto, com o caminhar de quem vai tirar o pai da forca.
Ninguém na rua no feriado sem sol. Todos dormem. Ela não. Ela já delineou compulsivamente, e por ser assim, as tarefas que normalmente não dará conta de cumpri-las todas no mesmo dia. Sofre porque tem pouco tempo para escrever e estudar e ler.
Com as músicas resolveu tê-las por uma hora na caminhada de todo dia. Vai levar seu cérebro para passear juntamente com com o corpo e “Ray Charles”, “Ben Harper” e tantos outros bons no seu MP3. Mas, a compulsão incita a muito mais. Queria trocar todo dia, ou pelo menos uma vez por semana a sua companhia musical. Admite não saber administrar tão bem o seu tempo.
Entretanto, já aprendeu a dedicar certos intervalos para suas teorias que talvez um dia lhe tragam o retorno que compulsivamente almeja. Sendo assim, são pretensões perseguidas há muito e muito tempo. Bem antes do primeiro alinhamento do Sol com Júpiter. E, por conseguinte, implicam tais teorias em intermináveis estudos, ensaios, muitos dos quais, quem sabe ela nem conseguirá concluir até chegar na Índia.
De qualquer forma, continuas crendo na força dos seus mantras e já tem definido para atenuar a compulsão da produção literária, um seu desespero constante obsessivo compulsivo, que qualquer obra inacabada terá endereço e alguém encarregada de cuidar, caso interesse.
Enfim, sentiu tristeza porque em 2008 não criara nenhuma tela. Brigou com as tintas, o “oil on canvas” ficou sem espaço. Teve outros problemas com a saúde, o que a tem levado ao aprimoramento do seu dia. Propõe recria-lo de forma a obter maior prazer. Mas o trabalho não deixa. O que lhe sobra são migalhas para trabalhar com o que gosta.
Ventos noroeste indicam a aproximação de uma temporada com mais obrigações do que propriamente devoções. Devota que é da alegria e do prazer, e tudo compulsivamente, isto significa que mal terá tempo para ter-se com a inspiração, uma sua aliada com características não menos compulsivas que as suas.
Resta assim, o consolo por encontrar no seu ambiente de trabalho material suficiente para abastecer sua inspiração, ao menos para o ensaio sobre o iluminismo, onde as personagens transitam inspirando uma retórica involuntária.
Ao final, conclui que a sua compulsão é exigente, sempre presente, no entanto, muito fácil de ser satisfeita, posto que até na sua caminhada diária, sente satisfação quando ultrapassa as pessoas, deixando-as para trás, bem lá atrás, quase invisíveis. É assim também quando vai de carro se intrometendo no trânsito com a eterna pressa que não pode esperar, não pode, não pode...
Lembrou-se de quando saía de moto competindo com o portão eletrônico que ia se fechando, deixando a surpresa para a rua, se acaso alguém cruzasse ali precisando parar; não teria um plano B. Ainda assim o fazia esporadicamente, sabendo hoje, ser exercício para amansar a sua compulsão por tempo, espaço e razão de viver.

Marcadores:

fevereiro 07, 2009

PERTURBAÇÃO ASTRAL – 06.02.09


Justificar para Alice hoje seria como no editor de texto “colocar em ordem” todas as anotações acumuladas durante a semana. São papéis acomodados todos perto do computador, já que não consegue trabalhar sem organização e disposição clara do que vai fazer primeiro.
Mas esta semana, Alice não soube em qual proposta dedicar-se. São jornais, revista, livro, cd, cada qual com um pequeno item a ser observado e depois descartado, mas que não foi e permanecem ali, olhando para Alice que necessita cabeça vazia e assim arranjar melhor suas idéias.
Chegando o sábado tudo deverá tomar o curso normal, sem maiores oscilações, com ventos moderados e temperaturas amenas. Então, como sentisse incomodada por toda a semana, posto não ter tido tempo nem para comer melhor, reconhece uma má administração do tempo que desencadeia toda a perturbação astral por que eventualmente passa.
Como lembrasse agora de Caio F. e suas especificidades, lembra também que Júpiter está para o seu signo assim como a perturbação astral, que é justamente uma marca superficial deste planeta, descoberta em 1901, com um movimento de rotação mais rápido que tudo existente ao redor.
Por ser perturbação tem haver com a semana tumultuada e mal administrada de Alice que reconhece e admite precisar aulas sobre como melhorar a administração do seu tempo. Começando a vislumbrar uma adequação, deveria diminuir suas tarefas, o que seria impossível para ela, porque não perde a mania de observar a todo instante quanto tempo está gastando com tudo, até com seus pensamentos.
Foi meditar e aprendeu que o tempo existe para nos servir, não o contrário. Ocorre que suas pretensões são sempre além do que pode o senhor tempo ofertar de bom grado; assim, se lhe sobrasse tempo, iria Alice elaborar um manual onde as pessoas conseguiriam realizar todas as suas propostas para o final de semana, com um planejamento que notadamente os transformaria em seres que pensam, analisam, programam e finalmente, executam com sucesso tudo que lhes dão prazer até mesmo aquilo que não dá prazer algum.
A isto ela define reeducação, renascimento, de forma tal que ela não precisasse mais acordar na madrugada equacionando atividades colocando-se pronta para bater continência a qualquer segundo que o senhor tempo resolva cruzar o seu ínfimo e medido segundo.
A isto ela define fuga, de maneira que não lhe sobre tempo para estar apaziguada com esse senhor, um seu eleito substituto para suprir todas as cobranças por que já passou e que eventualmente não tem mais que passar e que curiosamente não sabe como passar sem essas tais cobranças.
A isto ela define autoavaliação diretamente responsável pelas mudanças que necessita passar todo o ser que se dedica a pensar, trabalhar, correr, exercitar, cansar, tudo até uma total exaustão como aquela que não vê no seu semelhante com um dia exatamente do tamanho do seu.
Alice tenta encontrar um culpado; não achando, atribui à perturbação astral que deve influenciar diretamente os sagitarianos regidos por Júpiter. Ou então, pode ser um efeito colateral pela dieta rica em carboidratos que tenta empurrar goela abaixo, concluindo triste na sexta-feira, que sua salada permaneceu boa parte na geladeira.
Resolve ela então, que vai comer peixe com salada porque gosta, desconsiderando qualquer consideração que devesse considerar, assim bem redundante, porém, bem menos cobrada, vez que já contribuiu com as taxas mais pesadas do ano e se julga merecedora de um pouco de sossego, sobretudo o mental.
E enquanto encerra sua cadeia repetitiva de considerações vai pensando em qual dia da semana poderia incluir mais um trabalho que tem buscado, interrogando no íntimo quem poderia avaliar melhor essa agravante, já que análise, foi conferir, é coisa de elite como sempre foi e como deve continuar por longos anos neste país.