COMO ESTIVESSE NUA – 27.02.09
Como estivesse nua ou com um biquíni minúsculo, passando pelo crivo de uma equipe de inspeção para um concurso de beleza, torcendo para não serem percebidas suas imperfeições, é assim que se sente Alice quando lhe perguntam sobre o que escreve e a mera coincidência com realidade que a cerca.
Para que se entenda o universo das dificuldades por que passam todas estas criaturas, seres escreventes que nem sabem direito como isto acontece em suas vidas, é mister entender que os escritores são escolhidos pelas palavras e não escolhem absolutamente amanhecerem escritores num belo dia de outono inspirador, com uma paisagem longínqua como assim parece ser.
Não! Escritores são levados a esta situação sem serem questionados se gostariam de sê-lo, embora muitas vezes mais tarde, irão tentar responder tal questão, sem sucesso. É quando escreverão ainda mais e mais.
Tudo é motivo de tema para escrever, até mesmo a falta de tema, as conversas com amigos, a falta dessas conversas, os tipos caracterizados de amigos e aquelas pessoas idealizadas como tipos ideais narrativos, ou tipos imaginários que transitam entre o real e o lúdico. Acontece de tudo neste trânsito. Para o escritor, o anonimato é a sua maior defesa; daí um pseudônimo vem salva-lo da vigília que terá por suportar ao longo do seu trabalho, sobretudo e com mais ênfase, se este trabalho tender para a liberdade maior do pensamento.
Então, quando um amigo sorrateiramente vem sondar Alice sobre ela utilizar-se de pessoas da vida real para seus textos, ela não consegue omitir a verdade, porém, quase se sentindo nua diante daqueles olhos curiosos. Talvez ele apenas interrogasse por curiosidade ou identificasse a si mesmo em alguma crônica real, caricata, exagerada, cômica, triste, cruel.
Cruel é o qualificativo que mais preocupa aqueles que ainda não perderam totalmente o senso de limite, por conseguinte, ainda não pertencendo ao rol dos excelentes escritores que acredite ou não, andam por aí, vão e vêm muitas vezes sendo alvos deles próprios ou emprestando certas nuances que faltam às personagens e que ele gostaria que tivesse.
Assim, cercada que se vê Alice, tolhida e cerceada a sua liberdade até mesmo de ir e vir, é assim que se sente ao responder que alguns modelos são reais dentro da sua ótica, outros são enriquecidos com aditivos interessantes e alguns outros, são destituídos de suas características, levando-os a um haraquiri se acaso se reconhecem ali descritos.
Portanto, não sem motivos são os seus desassossegos quando alguém comenta que leu um texto seu. Ela se põe a imaginar imediatamente como em defesa, se tal pessoa já fora uma sua personagem. E imediatamente se retrai, perde o rebolado e tem que respirar fundo se quiser prosseguir.
Então, alguém deve se perguntar sobre a insistência em manter um ofício tão execrável, como bem o definiu num de seus textos o inspirador de Alice, Rubem Braga, que dizia ser esse trabalho de narrar fatos e feitos, um ofício que não lhe trazia nenhuma glória; ao contrário, trazia dissabores por empregar tanto esforço mental na produção de deduções nem sempre corretas, justas.
Também é assim com Alice e com tantos outros levando a vida neste vai-e-vem descritivo, por vezes se sentindo ameaças públicas por onde passam e respondendo solenemente que se inspiram sim nas pessoas que o cercam e naquelas que não os cercam também.
E deveriam sinceramente transpor um confessionário especial de escritores, onde prestariam contas dos seus escritos, ainda que anônimos para o povo, mas não para seus criadores, para quem sabe assim, eles não se sentissem quase nus quando alguém lhes dissesse na rua ou no trabalho que leu seu texto esta semana.
Marcadores: até a alma