outubro 19, 2008

CASA ASPIRADA




Casa aspirada, mãos ressecadas, alma descartada... Por ser “Friday of may” e por anteceder certo aniversário, Alice busca conforto na sua casa aspirada “in Friday”, com as mãos ásperas e o coração demonstrando mais um descarte em plena sexta-feira.

Por ser sexta, arregimenta para logo mais uma sessão bate-papo. Por ora, justifica a sobremesa depois da refeição quente rodeando a boca até esfriar para então engolir. É que suas panelas ou são de barro ou são de fundo duplo em alumínio inox. Mantêm, portanto, a comida fervendo do jeito que Alice aprecia. E aprecia também este dia dado em presente para entender porque as pessoas nutrem o sabor etílico para desvencilhar-se de problemas insolúveis.

Insolúvel é a vida que nos mostra sua cara famigerada, esfomeada, afoita por devorar-nos, saborear ao molho “curry” que cai tão bem no frango, lembrando aqueles frangos de tempos idos que não mais se somam.
Mas hoje, especialmente hoje, Alice resolveu através de um cognome ou coisa que o valha, destituir as pessoas de criticar ou de questioná-la a que veio. Ela cavalga sobre a afirmação de Miss Lispector que já avisava “escreva o que quiser, sem satisfações, sem importar-se com o que pensarão de você, seja você”.
Então, ao som de Alicia Lleyc- soys in A maior, ou qualquer coisa nesse sentido, o que escreve se constitui agora na sobremesa da sexta-feira, com comida muito quente, posições por remoer e bate-papo logo mais à noite, se for de falar. Caso não seja, há que ter comida boa, bebida melhor e muita vontade de esquecer o que ainda não pôde ser resolvido.
Um exercício prático que visualiza uma mostra justificando porque as pessoas bebem e são enganosamente felizes até que lhes sejam estourados o fígado, um rim, ou coisa pior.
Como a sobremesa fora farta, daquelas que equilibram a dose de sal além da glicose, e como viver se mostrasse urgente tanto quanto essa mesma sobremesa que abstraiu o açúcar sem sofrimentos e sem amolações dessa grandeza, então, a hora é de terminar a limpeza devendo estender-se até a alma que eventualmente afirmará a falta de algo para completar essa refeição – talvez uma mensagem, um e-mail, um telefonema, talvez...
E como fosse “Friday”, o dia inspira uma maratona por terminar, um sol por observar e uma grama que embora não aparada, porém, de alma macia, reflete jabuticaba pretejando fora de época; apenas porque aqui as coisas antecedem seu curso natural acontecendo independentemente da nossa vontade.

outubro 11, 2008

PASTOREANDO - 06.10.08

Subitamente fora novamente acordada na madrugada pelo seu travesseiro que cuidou de interromper-lhe o sono avisando que é hora de pastorear as palavras.
Primeiro abre os olhos com muita preguiça, confere a calma ao redor, vira-se para o lado abraçando forte o travesseiro que insiste no adiantado da hora como a hora ideal para tal mister.
O silêncio corrobora e as idéias não esperam mais um cochilo. Então, diante do monitor que monitora uma vontade de ser normal, de dormir na madrugada meio fria, existe uma determinante que paira no ar e impele para o trabalho mental.
Um misto de vontade e desânimo permeia a disposição de ativar o “homebroker”. Talvez a lentidão da sua internet permanecesse para protegê-la do confronto com o seu estrago financeiro. Mas ele existe.
Como todo bom pastor de idéias não se conforma diante de uma fuga, antes prefere o famigerado confronto que talvez lhe roube o sono pelo resto da noite.
Tem pensado em voltar a desenhar rostos desde o último filme que assistiu na televisão numa madrugada dessas quando se rendera deixando livre todas as letras do mundo, bandeando-se para quais terras quisessem ir
Mas hoje, ela as quer arregimentar, organizar, modelar, dar às palavras a plasticidade que as transformam quase em seres dotados de super-poderes.
Secretamente seu travesseiro confabula com as palavras permitindo certo número de horas de sono que está para certo número de horas de idéias, assim como a inspiração está para o exercício mental.
Então, ela sente falta deste exercício da mesma forma que sente falta dos exercícios da academia que lhe modelam o corpo. Ela não gosta de perder trabalho; e deixar de exercitar seria perder tudo o que conseguira praticar até então.
Ademais, se não pastorear essas idéias que se interpõem entre ela e seu travesseiro, este estado crescerá numa proporção digna daquelas da Vênus de Milo (não por acaso, vênus é uma estrela do pastor), ocasionando uma distensão no pescoço, indo refletir na coluna ora ligeiramente sofrendo com seu peso abaixo do indicado. É que descobrira que passa muito bem pastoreando suas idéias que alimentam e quase substituem pequenas refeições.
Por outro lado, como não merecesse uma dor no pescoço daquelas que quando se instalam querem ser amigas, resolve, pois, encarar todas as letrinhas que pululam do seu travesseiro, circundam suas mãos em escarcéus, fazendo uma algazarra que somente ela pode colocar ordem.
É que gostam as letras de serem controladas, de produzirem contexto, de se transformarem em conteúdo quase comestível quanto um chocolate para quem necessita serotonina ou algo desta magnitude. Já sabem do seu poder de transformação e então se entregam às habilidades da mão dela.
Agora, ela sente precisar arregimentar números; um exército deles, capaz de salva-la da enrascada financeira em que se metera; não vislumbrando saída, descobrira depois de ter-se com as letras a necessidade de um ritual capaz de atrair também os números para o seu travesseiro.
Matemática que é, não há de ser tão difícil este mister. Sente falta da sua coleção básica, minúscula que conseguira em tempos difíceis de faculdade. Deixou-a para trás juntamente com o resto de vínculo que lhe prendia à matemática.
Sente hoje que isto lhe fora talvez, o preço a pagar por dar-se tão bem com as letras. Está desenvolvendo uma tese onde possa trabalhar com ambos em harmonia: as letras e os números. Já concluíra bem antes do seu abalo econômico-financeiro que os dois não devem se dissociar. É como um divórcio mal resolvido, onde um dos cônjuges fica com os filhos e o outro fica com os bens. Não pode prestar.
Então, antes de voltar aos rostos que sempre acreditou salvar-lhe da penúria, acha por bem apaziguar-se com os números. Nunca estudou letras e não entende bem porque estas se aninharam de tal forma irreversível no seu travesseiro. Já as espantou de lá um sem número de vezes, tal qual o poeta Vinícius espantando o passarinho da janela dizendo não ser mais poeta. Mas qual!
Quanto mais se esforça, mais íntima se faz delas. Está tão íntima que já obteve facilidades no inglês, francês e espanhol. Mas, durante as madrugadas em que é sacudida por seu travesseiro de letras, não sabe ao certo aonde chegar, quais proveitos tirar disto tudo que armazena, armazena e armazena em cd’s.
Olhando bem ao seu redor, sente-se perdida diante de uma indefinição que permeia os seus dias. Entretanto, secretamente ela pressente um trabalho de futuro. É como um pai que estivesse comprando imóveis, insólitos imóveis, mas imóveis para seus filhos sobreviverem quando deles necessitarem.
Então, entrega-se hoje mais uma vez, outra amanhã e sabem-se lá quantas mais, utilizando seu substrato cerebral enquanto este se disponibilizar a tal façanha.
Nuns dias ela se acha pastora de todo este processo; noutros, se sente pastoreada por estas letras que estão sempre circundando sua cabeça e suas mãos. Sente que são do bem e que seu tempo com elas independe do seu controle. Por isto elas fazem festa nas horas menos inesperadas.
Ela volta-se para o lado, pensa onde encontrar um livro de matemática analítica, financeira ou até mesmo uma tabuada, será que ainda existe? E com esta interrogação acaba de perceber quanto tempo estivera afastada dos números, talvez por cansaço, por perder-se em outros caminhos ou até mesmo por medo de não ser a melhor matemática do mundo; um risco muito comum para quem lida com grandezas proporcionais, centesimais, infinitas, geométricas, trigonométricas, espaciais, averbais.