agosto 27, 2008

NO DIVÃ – 26.08.08



Sentou-se na mais macia das poltronas da casa. Levantou-se porque nela não se achou. Percorreu seu espaço todo ali definido como vazio; até lembrou-se do símbolo vazio da matemática.

Pensou em descer e fazer um lanche. Desistiu como tem o hábito fácil de desistir de comer. Sentiu as panturrilhas doendo e pensou na desnecessidade de qualquer gosto na boca. Domesticou a fome e jogou-se na cama pensando enquanto olhava as linhas simétricas da porta refletindo noite, com luzes derretidas feito sorvete em mão de criança no alto verão.

Esticou-se na cama como lagartixa e não sentiu sono. Ainda era cedo. Reviu mentalmente o mamífero que a perseguira em sonho na noite anterior. Era gigantesco, da altura de uma casa, com um chifre no meio da cabeça e gordo como elefante.

Como sempre acontece nos sonhos de perseguição, os bichos pensam, procuram por ela até nas frestas e ela se mantém escondida imóvel, sem respirar, alternando seus esconderijos. Não é pega; também não derrota nem é derrotada.

Queria uma história com princípio meio e fim para contar, mas não deu, exceto pela descrição da fera que corria muito sem deixar parecer ter todo o tamanho que tinha. Acorda como sempre em sobressalto. Revê a nova figura da perseguição, confirma mentalmente a imagem e pensa de onde teria ela saído sem obter resposta.

Terminado o dia, sem vontade de comer nem descansar, revê suas frases interrogativas que não empregam auxiliares e permite que elas descansem até amanhã às seis horas quando estarão esperando para mais uma aula de inglês com aprendizados permeados de superação da insegurança.

Mas não se entrega ao descanso. Pensa uma forma de disponibilizar do seu interior a alternativa que irá evitar o desconforto dos seus sonhos que querem lhe dizer alguma coisa obscura, complexa, convexa.

Transformada que está a sua cama em divã, é atualmente onde escreve, pensa, calcula e inventa plano; também passou a ser o lugar onde não permite o acesso de mais ninguém. É talvez, o que lhe restasse como seu. De todo o resto ao seu redor nada é tão seu quanto sua cama.

Do nada que tem assume a cama como o seu maior conforto, o lugar preferido; para onde vai quando chega cansada. Brigou seriamente com a cozinha, exceto se convidar alguém para o almoço ou jantar.

Assim, “divaneando” em sua cama, permite-se pensamentos os mais absortos, os mais inconseqüentes, que gerariam talvez, um material de trabalho para logo mais, quem sabe na madrugada, ou ainda, oficializando seu tempo de pensar bobagens sobre a vida.

Vê então, que a vida é uma bobagem, que passa independente do que criarmos, pensarmos e sonharmos na madrugada. Ela não nos passa escritura de posse, o que nos torna a todos iguais, independentemente das conquistas ou da ausência destas.

Imagina-se agora bem diante de Rimbaud, vendo a sua cara ao ler os textos femininos que bem quis ver ao seu tempo e não viu. Por certo não teriam o mesmo valor, já que hoje temos liberdade para ir e vir e escrever...Depois de buscar formas de atrair idéias, sem êxito, provavelmente antes que a madrugada anuncie mais alguma presença inesperada em sonho, ela retira da cabeça as idéias que fervilhavam em alvoroço desconexo, desliga seu monitor e vira-se completamente vazia de sentimentos, vontades, fome ou qualquer estado que indique vida.

Esvaziou-se do que incomodava, da prática cujo exercício surge nos momentos mais impróprios e que se não obedecidos, gera um desconforto inexplicável, somente percebido debaixo de lupa ou microscópio.

Mas, porque o desconforto? Aprendera que nada é prazeroso quanto queira parecer. Sabe que as tarefas já dominadas, mecanizadas, essas não apetecem o cérebro, não aprimoram comportamentos. Ao contrário; tudo fica cinza e as coisas perdem o sabor. Então a vida fica resumida a um marasmo que por um lado cerceia e pelo outro alicia viciados em facilidades, preguiçosos mentais.

Esta certeza ela tem como conquista; assim, não tem preguiça de mudar suas senhas, o banco, os cartões, o computador, o teclado, o editor sempre com cara nova; em cada um dos seus dias, algo desconhecido lhe é dado a degustar.

Degustado, aprendido e assimilado, passa a ser jornal de ontem. Ela quer sempre algo novo para descobrir, entender, manipular até que o segredo caia por terra. Alimenta diuturnamente o cérebro, incorrendo, no entanto, em outro aliciamento tão nocivo quanto a preguiça mental: - a troca constante; a impossibilidade de apego ao que quer que seja.

Desapegados também sofrem seus males. Apegados sofrem um pouco mais. Descobre então que a sua busca é o caminho do meio. É difícil estar lá e cá; ir e vir; afirmar e negar. Aliás, deduziu que viver não é assim tão bobo. Viver é aprender a dosar sem sofrer falta ou excesso.

Como as horas começassem a esparramar-se pelo chão sem serem batatinha quando nasce isto por si só já indicava que seria hora de descanso. Deixemos as tautologias para um outro canal. E dissipando seu divã ressurgem ela e a cama, ambas prontas para se conformarem com o silêncio; em conformidade vão estar até que algo altere este estado e o divã ressurja impávido colosso.