maio 23, 2010

GAFA NHOTO COMEU – 23.05.10

Não sabe ao certo se é ritual ou se são reposições conjeturais de outras grandezas. Sabe apenas que olhar para a tela branca é por vezes o seu modo de entremear o domingo. Enquanto olha, toca o telefone. É Pedro fazendo como fazem os machos, delimitando território. Onde aprendem a fazer isto?
Eles dois são assim meio complementares que não se tocam. Do lado de cá podem ser vistos os seus gestos, cuja recíproca parece ser verdadeira também do lado de lá. Entre gestos e marcação de território, ela se pergunta qual é a verdade desta vez. Parece ter se desencatado dele. Aliás, parece ter se desencantado dos homens.
Mas ele, pedra que é, se fez forte, e tenta estudar francês não ficando claro para ela com que objetivo. Mas ele estuda para a prova de amanhã, ouve Karla Bruni e num passe de maestria, diz para ela ao telefone que baixou as músicas, letras e traduções da cantora que ele quer comum entre eles dois.
Ela, que continua sem entender a implicação das coisas, vez que passara o encantamento das longas conversas, finalmente rende-se a conclusão inevitável, tal qual o silogismo mais hipotético, senão patético, que já pudera armar.
Enquanto pensa come doce. Reve o coqueiro e suas folhas, de vez em quando uma ou outra pedindo para ser retirada da árvore. E ela atende. Pensa em deixá-la secando ao sol, depois transforma-la talvez, num cesto para pão-de-queijo, quem sabe.
Quando vê um gafanhoto comendo suas folhas, briga com ele, tenta espantá-lo, mas ele também é pedra. E volta insistentemente para o coqueiro. Ela continua sua análise em torno da planta, tentando especificar quando será sua primeira frutescência. Lamenta uma vez mais por não cursar agronomia.
Reconhecendo seu trabalho com letras, tenta compor um Hai kai. São versos muito pequenos que ainda assim contam a história, ou o resumo do resumo da história. “Coqueiro sem coco, folha sem verde, gafanhoto farto no toco”.
Enquanto isto, liberta seu pensamento sobre o que há de precisar Pedro, depois de afastar-se da amiga, quase mãe. Ela pensa com a cabeça dele, que por certo iria interpor um valor para sua necessidade de boa conversa, boa dica de música, de vinho, de mulheres e de buscas na vida.
É que o garoto se perde e é ela quem o encontra. Encontrados ou desencontrados, seguem ambos enviando e recebendo mensagens sobre filmes, sobre “la Langue francese” e outras utilidades deles dois, que não encontram nos demais, que não justificam porque assim, mas que seguem em frente como tais.
Entretanto, parece ter feito ela um seguro de vida daqueles que dão segurança de fato na vida. Ela se garante bem sozinha, sabe das implicações de ser só porque já esteve junto. Ele, que não sabe ainda da importância de ser dois, para quem sabe voltar a ser um depois, fica por assim dizer, buscando entender a necessidade que tem de ser dois.
Munida desta informação, ela descobre que melhor que tentar montar um hai kai é demonstrar a teoria da auto-libertação para quem ainda está longe dela. É divertido, dá adrelina porque nos despe de tolos medos e nos faz brincar com situações que já não exercem qualquer fascínio naqueles que são felizes sozinhos, prontos para se doarem sem medo de que venham a sofrer uma nova perda.

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