O CARA – 20.02.10
Foi assim: ela precisava urgentemente dominar mais uma aprendizagem que vai acrescendo a sua interminável lista; aí passou por um, por dois e já está no terceiro professor que por ora não lhe ensina apenas, mas fornece descobertas inimagináveis acerca dos seus piores e mais escondidos defeitos.
Até se lembrou do Rubem Braga e sua crônica sobre aula de inglês, onde tinha que responder a mísera pergunta: “What is it?”, ao que lhe passavam infinitas improbabilidades, menos a única resposta que aliviaria o sofrimento de olhar para o objeto, que não era um elefante, um avião nem um javali, mas tão somente a sua carteira.
É assim que se sente nas aulas de inglês, cuja busca supera até mesmo qualquer “site” que pudesse acessar. Ela entendeu a sua deficiência responsável por levá-la a uma auto-classificação de “burra falando”. E realmente descobriu através de uma nova maneira de olhar-se que é assim mesmo.
Como encontrasse justificativa para todos os seus erros, com este não seria diferente, admitindo sua deficiência auditiva e de oralidade aos intermináveis anos escrevendo, escrevendo e escrevendo. Esqueceu-se como falar, falar e falar.
Agora, todo o trabalho do professor, previamente advertido desta dificuldade, consiste em trabalhar as questões orais. Simples assim, posto ter dado o mapa da mina, as ferramentas e os explosivos. E ainda sobra-lhe bom senso para perguntar se quer que ela mesma execute o trabalho ou se ele cuidará da explosão.
É insolente quando se reconhece, pois, admite ser sua própria estudante, visando conhecer-se a si mesma, sem interferência de terceiros e com a isonomia que nem a melhor PEC do governo seria capaz de se fazer aprovar.
Sabe que é sua melhor fiscal, nada lhe escapando aos olhos de sensor quando o assunto é sua própria personalidade, com ênfase aos dados despersonalizados admitidos e apaziguados há certo tempo. E se o assunto são seus defeitos, o rigor se multiplica.
Demais disso, percebeu na sua última aula que não sobraria espaço para suas saídas pela tangente; ou sabe ou não sabe; ou fala ou fala. Decerto acabara de encontrar o que sempre procurou e agora reconhece, não se preparara para encontrar.
Ele é o cara! Sabe cobrar, insiste e volta na mesma tecla. É pontual e chato tanto quanto ela que se vê reflexa num símil. Finalmente alguém sem piedade ao cobrar! Já demonstrou que não vai ter terror, pois sabe ensinar e acredita que uma vez ensinada, ela pode responder ao propósito principal, nunca saindo deste foco, sempre revolvendo as lembranças; sem parcimônia, comiseração ou insegurança quanto à perda da aluna.
E ela, depois de descobrir que existe alguém com propostas similares as suas, utilizando-se da sabedoria sem que isto se torne privilégio, antes transformando em ferramenta de trabalho da forma mais natural possível, reconhece de bom grado ter aportado no lugar certo, devendo por ora ali se instalar e descobrir tudo quanto lhe seja destinado.
Por ser reconhecedora de bons lugares e boas pessoas para estar, aproveita para incrementar sua lista mental que não desprestigia a todos os outros por que passou, assumindo apenas ter reconhecido ou talvez farejado, quesitos especiais inerentes a ambos de tal forma que se completam mesmo quando se confrontam incisivamente.
Ao final, ela sai com a certeza como não tivera antes: uma sensação do seu dinheiro bem gasto. Hoje fora como se tivesse aplicado na bolsa de valores, as ações tivessem caído, ela fizesse uma “opção” retirando a tempo para não ser vendida a preço menor, computando ao final, seus lucros líquidos, e trabalhados, e vigiados, e perseguidos sem trégua nem cansaço. Esta certeza lhe ocorrera depois da aula no sábado de carnaval, acredite se quiser...
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1 Comments:
Prezada Cléa,
Fiquei muito feliz ao receber seu livro e conhecer seu blog. Terei a oportunidade de voltar a ler suas crônicas, na forma como eu fazia há dez anos atrás, ao receber a Tribuna de Lavras. Meus parabéns e muito obrigado pela lembrança. Um forte abraço para você. Dê um abraço também, por favor, nos queridos e saudosos amigos da nossa Segunda Vara Cível.
Luiz Carlos
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