OS PODERES DE ALICE – 02.12.10
Parece inusitado, mas ela surge até quando não é chamada. Aliás, Alice nunca é chamada, e quando bem quer, lá está ela parecendo a dona da fala, da experiência narrada e das expectativas por dias melhores.
É assim, quando de repente, Alice ganha a fala que não é dela, o papel que não lhe cabe, mas que por outra, não caberia a mais ninguém. Assim, de súbito ei-la rondando o texto, virando personagem com todas as intenções, inclusive nos desfechos para os casos. Às vezes penso que ela me ronda. Isto poderia parecer um caso típico de esquizofrenia, mas, não chega a tanto. É apenas um espaço dentro do qual Alice cabe; feito a Barbie que, seja em que país for, mantém sua caixa própria, perfeitamente adaptada, inconteste quanto ao padrão de igualdade mundo afora.
Isto quer dizer que as crianças do Haiti, da Indonésia, do Vietnã e da Conchichina amam a mesma Barbie, magérrima e de pernas compridas, ao estilo manequim. E Alice, que por vezes se traveste de Barbie, parece ter caído da caixa, não se encaixando em nenhum outro lugar, fazendo parada no meu editor de texto.
Então, vem de súbito penetrar na minha história, levando-me a uma confusão sobre quem sou, se falo por mim mesma ou se estou num dado momento mixada com Alice. O fato é que no editor ela tem voz sobre mim. Tanto é assim, que por vezes intercepta um texto como dissesse que manda tanto quanto eu; quem sabe até mais.
Busco então uma equação, mais uma daquelas intransponíveis, onde os dados são ocultos, com a esperança que jamais me abandona, levando-me a rir de mim mesma, culpar-me absurdamente quando não tenho toda a culpa, debochar da minha desgraça, valer-me da minha insensatez que por muitas vezes coloca um saldo negativo sobre minha pessoa, ou quando nem tanto, ao menos dá um aspecto de credibilidade apenas parcial aos meus trabalhos que mereciam um crédito a mais.
Buscando tais créditos, ouço o farfalhar dos pássaros que me acordam na manhã muito cedo, como dissessem que a alguém devo os momentos de inspiração quando pinto, ou escrevo, ou medito, ou passeio, ou até mesmo por estar à toa na vida, se bem que a mim se encaixa mais “a toda na vida”, dada à agitação e à pressa de viver tudo de uma só vez.
Alice parece vir para fazer-me elaborar as coisas, aprender a diferença entre comer e degustar, entre desconfiar e amar, entre entregar e cobrar. Entretanto, minha equação repleta de incógnitas levam-me a um resultado contundente de que certos achaques ou chame de traços de personalidade são-nos inerentes como a própria pele. Não há como arrancar, eliminar, extirpar, neutralizar, ignorar; nada disto viria complementar a incógnita, nem mesmo a nevasca que ora invade a França e Frankfurt. Mas, a quem isto pode interessar? A mim, cujas preocupações atuais ultrapassam os limites territoriais da minha existência, graças a Deus.
Assim, por não ter tido a surpresa da interferência de Alice, talvez porque percebera que eu devesse estar prevenida para tal investida, perdesse a graça esta façanha estranha; uma invasão mais bárbara que as bárbaras. Ocorre, pois, que a vigília diuturna cansa, exaure, além de ser inimiga capital da inspiração, aflorada nos momentos de maior entrega do espírito e do perispírito também.
Também já deduzi que faz parte do show a alternância de vozes entre mim e Alice. Ela parece ser grande e eu pequena. Parece ser forte e eu fraca. Parece ser bonita e eu feia. Parece ser inteligente e eu acéfala. Ainda bem que somente parece. Ainda não obtive essa certeza. Obtendo-a pode ser que venha juntamente com a certeza da minha inferioridade consolidada hoje diante do meu raio de visão reduzido na tela do computador, revivendo em mim o ódio pelo oculista que nunca aumenta meu grau da maneira total e abrangente como tenho cada vez mais necessitado. Isto será assunto para uma próxima consulta.
Enquanto não aumento o grau da minha lente, aumento o exercício de “mea culpa” ao pedir desculpa, desculpa, desculpa pelos erros não visualizados. Vê, como até mesmo uma situação mal resolvida funciona de forma a atuar extirpando da gente o orgulho pelo trabalho bem feito! “Bem feito! Isto sirva para modelar seu ego firmemente e não essa gelatina que acredita em tudo quanto reluz.” Mas isto tudo eu sei. No entanto, nem sempre vigio.
Culpa das atividades pelas quais me lanço, que me fazem transitar por mundos opostos, valores diversos, pessoas incongruentes. Nem a soma dos ângulos internos do triângulo isósceles eu consigo mais acertar. Pensando um pouco melhor, não sei exatamente porque motivo teria abandonado as fórmulas de matemática. Hoje eu não estaria me atendo com tantos males individuais. Tudo se resumiria a uma equação que, se não solucionada, bastaria me valer das integrais diferenciais com tendência para o infinito.
Seriam elas as responsáveis pela longevidade mental da minha professora de cálculo integral, que a esse despeito dos longos anos exercitando seu cérebro suplanta suas dificuldades físicas de caminhar? E já que exercitando demais o cérebro teria se esquecido do corpo físico, ainda assim, vai ao supermercado, escolhe os legumes, compra-os quase sem aguentar carregá-los, mas efetivamente colocando seu cérebro ávido de cálculos em atividade, satisfazendo um pouquinho da suplica diária que deve suportar destes neurônios.
Marcadores: I'm Alice and Alice it's me...
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home