ENSAIO Nº 1 PARA ESCRITORES – 18.12.10
Eram inquietações de há muito e muito sem respostas. Tenho tentado descobrir a que se deve o mal-estar diante da obra em construção, depois dela acabada e continuando com ela comercializada. É um tormento que não cessa e que não se explica. É injustificado.
Tentei compreender um pouco além sobre escrever pensando ser questão de estilo, ou da falta dele que, segundo J. Middleton Murry é preciso cuidado para que a técnica não adquira vida própria e que o pensamento seja um servo da emoção. A mim parece por vezes questão de sobrevivência descobrir quem está mandando num dado momento, se o pensamento ou se a emoção é que se faz sistematizada para atender exigências do pensamento ao ser exteriorizada.
Assim, de acordo com a proposição de que a literatura consiste em comunicar emoções, admite-se de pronto que o escritor deve ter um vasto depósito de percepções sensoriais, o que nos leva a admitir por óbvio, que o trabalho do escritor consiste em transpor articulações do mundo material para o mundo espiritual.
A partir deste ponto, abandonei Murray para ter-me com Blanchot buscando a proposição inicial, qual seja, descobrir o que me leva a sentir a insatisfação constante, que não se aquieta nem mesmo quando se curvam os neurônios ante o trabalho duro de pensar.
Não por falta de estilo, já que até mesmo sem estilo podemos escrever. Ser bom e “estiloso” não é para todo e qualquer escritor indistintamente. Acredito que escritores são escolhidos para escrever, uma vez que não lhes sobra opção. Senti um salvamento por Blanchot no “L’espace littéraire” por entender a solidão essencial à obra e por vezes, prejudicial ao autor.
Indo mais além, sua obra nos leva à compreensão de que escrever é interminável, incessante, e carece de uma autoridade não demonstrada de onde vem e por quem vem. Para mim é mais ainda; é um jogo de espelhos. Existe uma entrega daquele que escreve impregnado de solidão, privando-se de si mesmo para promulgar quem sabe, alguma boa nova que nem mesmo o escritor consegue ciência com antecedência.
Portanto, escrever é ato que exige primeiro a intimidade com o silêncio, depois, um abandono de si mesmo para ao final, conseguir o esboço do que poderá ser material nobre de base para um texto coerente, com sentido, com arte. Eis quando o escritor descobre que não é nada senão um instrumento do qual se vale a ideia em estado bruto.
No diário tenta o escritor remeter-se as suas próprias vivências, que acabam misturadas ao medo que a solidão impõe ao trabalho perfeito. Vem daí o preço pago pelo escritor que nem sempre pode saldar. Restando o débito vem o mal-estar que não entendemos de onde e porque.
Entretanto, de posse dessas agruras típicas do escritor, existem outros sintomas que podem causar prazer. Sobretudo se o escritor entender o seu universo de trabalho, suas ferramentas atípicas, insólitas, de difícil manuseio, ainda mais por não contarmos com cursinhos, manuais de instrução que nos advirtam dos perigos psicóticos com cognomes e heterônimos.
Entretanto, de posse dessas agruras típicas do escritor, existem outros sintomas que podem causar prazer. Sobretudo se o escritor entender o seu universo de trabalho, suas ferramentas atípicas, insólitas, de difícil manuseio, ainda mais por não contarmos com cursinhos, manuais de instrução que nos advirtam dos perigos psicóticos com cognomes e heterônimos.
Ocorre que nenhum escritor se faz escritor; ele se vê escritor de repente. E deste gosto provado, difícil será o abandono, donde podemos inferir que existe o lado de “glamour”, por sinal igualmente perigoso como os sintomas de mal-estar.
São eles, satisfação pessoal que transcende aquela obtida pelo trabalho profissional comum, aquele para o qual nos treinamos e nos tornamos aptos como qualquer ser humano com boa vontade está apto para galgar. Na literatura não! Sentimo-nos escolhidos para pensar, elaborar, raciocinar, inventar uma teoria ou qualquer outra coisa para justificar uma ideia. É portanto, trabalho com perícia e técnica também, porém sem conhecimento prévio nem posterior sobre quem nos manda e nos orienta neste trabalho. Eis o mistério como fator incentivador.
Blanchot vai mais além quando envolve a questão do tempo que se faz ausente durante a confecção de uma obra, já que todo o escrito é inatural evolvendo a fascinação, que ao meu ver seria um termo menos próprio devido às opostas significações que podemos atribuir a este substantivo feminino.
E segue afirmando que escrever é entrar na afirmação da solidão onde o fascínio ameaça, onde corremos o risco da ausência de tempo, onde reina o eterno recomeço. Existe também uma transição entre Eu e Ele, de modo que o que me acontece não acontece a ninguém; ocorre assim, uma disseminação infinita de ações.
Neste ponto parece haver mesmo uma fascinação no sentido de atração irresistível porquanto transitar entre personalidades distintas, guardando obviamente o devido cuidado de não se confundir com as personagens não é produto que obtemos nas prateleiras de um loja de conveniências, embora esta fosse uma conveniência para apaziguar muitos conflitos, por suposto.
Da necessidade de escrever temos que enquanto escreve, o autor expõe-se perigosamente à pressão que exige que ele escreva, mas da qual também se protege. Ao meu ver, esta proteção se manifesta quando o escritor obtém sua liberdade da forma como na vida real não conseguiria.
Da necessidade de escrever temos que enquanto escreve, o autor expõe-se perigosamente à pressão que exige que ele escreva, mas da qual também se protege. Ao meu ver, esta proteção se manifesta quando o escritor obtém sua liberdade da forma como na vida real não conseguiria.
Em Kafka podemos perceber a confusão que os negócios e família causavam em sua obra, e que no seu ponto de vista nunca chegaram perto do nível de aceitação do próprio autor. Chame a isto o conflito e o subterfúgio do qual pode se valer um escritor insatisfeito com sua criação, ainda que o seu redor aprecie a obra.
Por outro lado, Kafka buscou se salvar pela literatura, já que não gostava do seu trabalho. Pensava colocar para fora dele todo o seu estado ansioso através da literatura. Daí os seus textos tão intensos. Daí o susto por tantas semelhanças de sintomas, inclusive e com mais ênfase, aos inúmeros projetos onde só vê fracassos: estudar piano, violino, línguas, jardinagem, estudos hebraicos, estudos germânicos, literatura, tentativas de casamento. Ao final, depois de escrever escrever escrever, conclui: “Eu nada mais sou senão literatura, e não posso nem quero ser outra coisa”.
Ao meu ver toda a confusão de Kafka se residiu no fato de não saber viver sozinho e não poder viver com outras pessoas. Não teria preservado sua identidade literária intacta ante aos apelos econômicos da sociedade capitalista para a qual fora moldado. Vale ressaltar sua genialidade ao escrever seu diário, tão seriamente comprometido com a verdade sobre si mesmo, passando a impressão de que se crucificará diante do leitor nas próximas linhas. E o faria se lhe fosse possível.
Assim são os escritores. Por esses meandros suspeitosamente trafegam. Inadvertidamente transitam sem habilitação nem certificado de especialização. Não confirmam nem negam suas preferências, antes questionam a própria existência. Sou vivo ainda?
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